terça-feira, 1 de março de 2016

Da escuridão do Apartheid à Luz Branca de Mandela


Seria imprudente traçar as principais linhas orientadores no que se refere à política externa Sul Africana sem primeiramente compreender que foi apenas na última década do passado século, que este país se debruçou efectivamente nesta pasta. Neste sentido, torna-se imperativo mencionar que o Apartheid foi, de facto, uma política de segregação, pautada pela infinita discriminação racial, na qual a defesa e preservação dos direitos humanos foram completamente esquecidos do pódio das prioridades políticas e sociais, levando o país a um isolamento internacional difícil de esquecer.
Quando a esperança parecia ser cada vez menor, eis que surge o ano de 1994, o ano da eleição de Nelson Mandela, que coloca um ponto final a quase meio século de Apartheid repleto de valores anti-democráticos e bélicos. Com o rosto de Mandela a ser adorado por toda a África do Sul, este começou por reconstruir a imagem do país, consolidando um regime democrático que há muito era desejado, promovendo incondicionalmente os direitos humanos, tendo como último fim o alcance da paz.
A verdade é que a África dos Sul deixou para trás a condição de Estado-pária para passar a assumir um novo estatuto internacional, nomeadamente, em relação à liderança dentro do cenário africano. Quer isto dizer, que se reuniram todos e quaisquer esforços para que este país recomeçasse uma nova posição activa em todos os fóruns políticos internacionais possíveis. Por todo o mundo a transição sul-africana foi aplaudida e cortejada, realidade que não pode nem deve ser desvanecida, pois um país que outrora simbolizava reticências embebidas de perigo e violência passou a ser um dos principais defensores do direito internacional, apoiando-se em bases multilaterais.
Desde o começo do Renascimento Africano, foram executados vários projectos catalisadores de uma política externa canalizada para o desenvolvimento e intensificação das relações internacionais com outros Estados, bem como a cada vez mais importante integração no da África dos Sul no continente africano. Nesta ordem, para além do Estado como actor principal da manutenção do panorama externo, as organizações não governamentais possuem um valor incalculável para o política externa, assim como diversos centros académicos. Como reflexo desta mesma realidade temos entidades como a South African Institute of International Affairs (SAIIA), o Institute for Global Dialogue (IGD), ou ainda o caso do New Partnership for África's Development (NEPAD), que se constituiu como uma das principais acções no contexto da política externa sul-africana, pois tem como ambição aumentar a quantidades de investimento em todo o continente africano nas mais variadas áreas.
No entanto, os sul- africanos foram ainda mais extensivos no que toca ao âmbito externo, apontado como prioridades chave as relações diplomáticas com a União Europeia e com o Estados Unidos da América, ambos são fulcrais na dimensão internacional notada actualmente. A participação activa em assuntos africanos, bem como a admissão deste país em organizações regionais foi também uma resposta importante à tentativa da construção de eixos temáticos que relacionam o contexto externo com o interno. Ainda nesta ordem, foram também criadas relações com os países asiáticos e com a América Latina, esta última deveu-se muito à localização geográfica de ambas. Todos estes esforços representam aqui um elemento primordial na definição da política externa sul-africana, no sentido de que permite uma maior participação da sociedade civil nos processos de decisão, ou seja, é criado aqui um triângulo de comunicação entre os cidadãos, as organizações não governamentais e o governo, no qual o grande objectivo prima-se pela cooperação.
Sabe se, contudo, que é bastante difícil a desvinculação do país à personalidade carismática e diplomática de Nelson Mandela, especialmente, em relação ao domínio externo e às premissas que este elevava, pois ainda hoje se perspectiva que os interesses do continente africano estejam espelhados na política externa desta nação, assim como o desenvolvimento económico do pais depende não só da cooperação regional como também da internacional num mundo cada vez mais complexo e interdependente, acrescentando ainda a relevância de se reflectir o compromisso e a consolidação democrática do país nas várias relações exteriores que o país possui.
Constate-se assim uma assinalável evolução impossível de ignorar, de um país onde os direitos humanos eram sucumbidos, a um membro por duas vezes, mesmo que não permanente, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, passando pelo papel desempenhado como mediador e colaborador da paz na União Africana, sem esquecer ainda a sua eleição para o Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Há quem diga que se esperou muito para tais progressos, há também quem diga que nem tudo desapareceu, que o racismo ainda continua escondido em cada esquina, que Mandela não quis ou não conseguiu fazer tudo aquilo que o país precisava, ou até que a discriminação respira-se pelos ares sul-africanos. A realidade, por mais crua e dura que seja, é que as transições envolvem toda uma complexidade de difícil absorção, quer política, social ou económica, as viragens de páginas no interior de um Estado são tarefas que ficam para além de árduas. Não se acaba e começa-se novos ciclos sem uma renovação de valores. É nesta linha de pensamento, que se enquadra do país, apesar de ser uma potência emergente, ainda permanecem toda um conjunto de entraves históricos e, mesmo recentes, que poderão vir a garantir uma maior influência global e estabilidade mais significativa do país. Não adoptemos uma visão estática, de que os fantasmas do Apartheid ainda assombram os pensamentos dos líderes políticos, mas sim de que o progresso global tal como a renovação da sua imagem estão cada vez mais consolidadas. O mundo está a caminhar para um avanço desmedido, e a África do Sul está a deixar o seu sentido contributo.


Fontes:
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/11396/000611192.pdf?sequence=1https://www.academia.edu/3202834/Pol%C3%ADtica_Externa_Integra%C3%A7%C3%A3o_Regional_e_Coopera%C3%A7%C3%A3o_Sul_Sul_um_olhar_sobre_a_%C3%81frica_do_Sul_e_o_Brasilhttps://www.hrw.org/pt/world-report/2014/country-chapters/260179

Telma Pacheco

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