sábado, 12 de março de 2016

O Euro-cepticismo Britânico e o Referendo sobre a Permanência na U.E.

Segundo a definição de Calvet de Magalhães, política externa pode ser descrita como o conjunto de decisões e acções de um Estado em relação ao domínio externo. Ela está intrinsecamente ligada aos interesses nacionais, aos princípios e valores, preocupações, objectivos e necessidades de cada Estado. Muito mais do que isso, a política externa é também uma política de relacionamento internacional, que tem como objectivo a “gestão de um status quo relacional”, isto é, a gestão de relações interactivas que pressupõem a criação de um ambiente externo favorável. Neste sentido, é bastante pertinente e actual abordarmos a questão do referendo no Reino Unido acerca da sua permanência na União Europeia.
Importa começar por referir a afirmação do Primeiro-ministro Inglês, Winston Churchill, que teve um papel relevante quanto à situação europeia do pós- Segunda Guerra Mundial: “no que diz respeito ao Reino Unido, nós estamos com a Europa, mas não somos da Europa. Nós estamos ligados, mas não incluídos”. É-nos bastante perceptível, através desta afirmação, o cepticismo inicial do Reino Unido no que respeita à sua participação e integração no projecto europeu. Apesar de ter integrado a União Europeia a 1 de Janeiro de 1973, a posição do Reino Unido face à sua participação na U.E. pode ser considerada com base numa postura de “linha-dura” e intolerante. É exemplo desta atitude euro-céptica do Reino Unido (nomeadamente dos deputados do Partido Conservador, que lideram actualmente o Parlamento Britânico) a situação ocorrente em 2011 no Conselho Europeu, a propósito de uma votação sobre os Tratados Europeus, em que o Reino Unido foi o único a votar contra.
Subjacente a esta ideia de euro-cepticismo, está a possível retirada do Reino Unido da União Europeia. O Primeiro-Ministro David Cameron avançou para um referendo que deve realizar-se até 2017. Sob a sua promessa ao povo britânico de modificar as condições de participação do Reino Unido na União Europeia, David Cameron revelou através de um discurso e de uma carta que enviou ao Presidente do Conselho Europeu, Danald Tusk as suas exigências na renegociação da posição do Reino Unido face à U.E. Contudo, ao longo de anos o Reino Unido, tal como os restantes membros da U.E, tem vindo a ver os seus próprios interesses serem reduzidos a um interesse comum – o da União.
Assim, será com base num referendo que se decidirá a permanência ou a saída do Reino Unido da U.E. Esta questão torna-se relevante a partir do momento em que irá condicionar a política externa do Reino Unido e grande parte das suas relações interactivas na política internacional, sendo actualmente a União Europeia uma das maiores potências económicas do mundo.
Assim, interessa-nos explorar as implicações que esta possível saída do Reino Unido terá na sua política externa, bem como as implicações que terá na própria União Europeia, enquanto importante actor internacional que se constitui. A afirmação de Jean- Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia “Eu não quero que o Reino Unido saia da União Europeia, mas não quero que a União Europeia tenha uma liderança exclusivamente britânica” pode ser comparada a um dos termos do programa do Partido Conservador britânico de 2015: "Durante demasiado tempo, a sua voz (do povo britânico) foi ignorada na Europa. Nós vamos dar-lhe voz para saber se ficamos ou não na União Europeia, com um referendo no final de 2017". É patente a determinação do Reino Unido em dar voz ao seu povo, no entanto, as relações económicas, políticas e sociais do Reino Unido com a União Europeia, estão em jogo neste cenário de incerteza.
Em termos de política externa, será uma mais-valia para o Reino Unido retirar-se da União Europeia? Em tempos de recessão económica poderia julgar-se uma posição perigosa, mas se tivermos em conta o poderio económico e a estabilidade política inerentes ao país essa questão torna-se menos relevante. A determinação, o exemplo e o pragmatismo do Reino Unido podem representar o pilar central, caso o referendo decida a saída da União Europeia. No entanto, para a União Europeia será uma condição menos favorável no que diz respeito à defesa dos seus interesses e dos seus objectivos. Constituindo esta organização um actor com impacto visível na vida pública globalizada, este pode ser prejudicado com a saída do Reino Unido.
De facto, a crise do estado soberano deu lugar a uma crescente importância do contexto internacional. Assim sendo, a forma como a União Europeia é percepcionada pelos outros actores internacionais, pode ser alterada com a saída do Reino Unido. Por outro lado, a U.E constitui ainda assim uma das maiores organizações de cooperação intergovernamental, constitui também a maior potência comercial e uma das maiores potências económicas do mundo. Sendo uma organização que tem como critério basilar a cooperação, a União Europeia continuará a defender os seus valores, o interesse comum dos seus estados-membros, os seus objetivos e as suas necessidades, com vista ao compromisso que partilha com os países que a compõem. Na Grã – Bretanha, quando o nevoeiro encobre Londres e o canal da Mancha, diz-se que o Continente ficou isolado. É uma afirmação com futuro?


Mariana Dinis

Fontes:
- Soares, Andreia Mendes - União Europeia: Que modelo político?- (2005) (1.ª Edição) – Edições ISCSP – UL
- Apontamentos das aulas de Laboratório II (Análise de Política Externa)

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