As tensões entre xiitas e sunitas são uma realidade presente, desde os tempos que remontam há morte do profeta Maomé, todavia, estas parecem ter-se intensificado, pela primeira vez, nos últimos trinta anos.
A execução de 47 xiitas e sunitas, na Arábia Saudita, entre os quais, o clérigo xiita, Nimr al-Nimr, apenas veio reacender o conflito mais arcaico do mundo islâmico. Desde a morte de Maomé, e sem quaisquer orientações de quem deveria ser o seu sucessor, enquanto líder espiritual, o mundo islâmico assistiu à sua divisão em duas grandes fações, colando de um lado os xiitas, e de outro os sunitas. Presentemente, esta divisão vê-se assente em dois pólos, que apesar de divergirem dos traços característicos do séc. VII, ainda hoje competem entre si, emergindo, assim, uma desarmonia entre a Arábia Saudita, a qual é maioritariamente sunita, e o Irão, que é maioritariamente xiita.
A execução do xeique, Nimr al-Nimr, impulsionador dos protestos xiitas contra o Governo saudita, desde 2001, levou ao despoletar de reivindicações e protestos por parte do povo xiita, frente a embaixadas sauditas, em diversos pontos do mundo. “No Irão, a embaixada em Teerão e um consulado, em Mashhad, foram atacados e invadidos domingo de madrugada, antes da intervenção das forças de segurança” (1). As rivalidades, entre estas duas fações, começam a estender-se a países não pertencentes à esfera muçulmana, “Manifestantes xiitas em fúria tentaram na segunda-feira passar as barricadas que protegiam a embaixada saudita em Nova Deli, Índia, e queimaram efígies do rei saudita, Salman bin Abdulazziz (2). Para além destes, registaram-se, ainda, manifestações no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Perante tais acontecimentos, foram cortadas quaisquer relações entre a Arábia Saudita e o Irão, os diplomatas iranianos tiveram 48 horas para abandonar terreno saudita, voos e viajantes sauditas foram impedidos de entrar no Irão, assim como, também, foi imposta a cessação de trocas comerciais, levando Bahrein e o Sudão, a reiterar as mesmas práticas. Porém, estas tensões, entre a Arábia Saudita e o Irão, não se configuram apenas em aspetos religiosos, escondendo, “por detrás do véu”, motivações políticas e geopolíticas. Segundo Simon Mabon, “A religião é uma ferramenta que está a ser usada pela Arábia Saudita para propagar os seus interesses nacionais (3)”. A economia saudita tem vindo a enfrentar destemidos desafios com a quebra da cotação de petróleo no mercado, mesmo ao situar-se entre os maiores produtores de petróleo do mundo, a Arábia Saudita não foge aos desafios colocados pela crise petrolífera, a qual vem a agravar-se com as despesas que o país acarreta da guerra no Iémen.
O aumento do desemprego, a hipótese, cada vez mais real, do início de um período marcado pela austeridade, o aumento dos impostos, são fatores que começam a colocar o país saudita numa posição vulnerável perante o Ocidente. Por outro lado, o acordo nuclear, afirmado entre o Irão, os Estados Unidos, a Europa e outros países, veio a possibilitar um novo reposicionamento do Teerão, entre os países do Médio Oriente. “Isto é uma coisa que não agrada de todo à Arábia Saudita, que tem um receio enorme de que o Irão se aproxime cada vez mais do Ocidente (4)."
A Arábia Saudita assume, assim, uma posição hostil, pronta a enfrentar aqueles que contra a ela se insurgirem. As imagens das sucessivas manifestações perante as embaixadas sauditas revelaram-se o catalisador perfeito para por um fim às relações com o Irão. Na opinião de Simon Mabon, tais esquematizações, não passaram de uma mensagem bem clara da Arábia Saudita, tanto a nível interno, como regional e internacional. “Na Arábia Saudita querem sublinhar todo o poder que têm, tanto para os xiitas da zona Este do país como para membros da família real que desafiam o poder do rei. Na região do golfo, querem também afirmar a sua preponderância, afirmando que não serão as reações que têm vindo à tona que vão abalar o seu controlo naquela parte do mundo. E a nível internacional querem prejudicar o Irão e fazer crer ao Ocidente que nada pode ser feito naquela região sem a Arábia Saudita ser consultada (5)".
Este reacender de tensões, veio, não só, impor inúmeros obstáculos à prosperidade diplomática da região, como, também, veio a colocar “em cima da mesa”, a possibilidade dos conflitos na Síria e no Iémen, virem a revelar-se cada vez mais ofensivos, iniciando-se, aquilo a que se pode designar de uma “guerra de procuração” entre as duas fações islâmicas (6).
1. Baseado em Ramos, Graça Andrade, (2016) – “Tensão
entre Arábia Saudita e Irão sobe de tom”. RTP
Notícias. Disponível em http://www.rtp.pt/noticias/mundo/tensao-entre-arabia-saudita-e-irao-sobe-de-tom_n885831. Data de acesso 28
de Abril de 2016.
2. Idem, Ibidem.
3. Baseado em Dias, João de Almeida (2016) – “Arábia
Saudita e Irão. Uma tensão que é muito mais do que uma guerra religiosa”. Observador. Disponível em http://expresso.sapo.pt/internacional/2016-01-03-Vinganca-Divina-Aumento-da-tensao-entre-Irao-e-Arabia-Saudita. Data de acesso 28 de Abril de
2016.
4. Idem, ibidem.
5. Idem, Ibidem.
6. Baseado em Ferreira, Leonídio (2016) – “Arábia Saudita e Irão continuam uma guerra com 13
séculos”. Diário de Notícias. Disponível em http://www.dn.pt/mundo/interior/arabia-saudita-e-irao-continuam-uma-guerra-com-13-seculos-4972462.html. Data de acesso 28 de
Abril de 2016
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