segunda-feira, 28 de março de 2016

Acordo “toma lá, dá cá” entre a Turquia e a UE

Penso que nunca se bateu tão fundo durante os 18 meses de confusões e trapalhadas dos líderes europeus nas suas tentativas de responder ao fluxo de refugiados e migrantes. Finalmente tornou-se claro o desespero dos europeus, que para conter a crise estão dispostos a ignorar completamente os direitos mais elementares.[1]

Judith Sunderland

 O acordo celebrado entre a Turquia e a União Europeia sobre a “troca” de migrantes irregulares acolhidos nas ilhas gregas por refugiados sírios na Turquia, tem sido alvo de grandes contestações por parte dos eurodeputados e das Nações Unidas, tendo sido já acusado de violar os direitos humanos e de ir contra as obrigações vinculadas pela UE.

Este acordo, mascarado pelo propósito de por fim à migração irregular que se tem vindo a assistir nos últimos meses no continente europeu, tem, na realidade, como objetivo último servir os intentos tanto dos líderes europeus, que tentam a todo o custo evitar a fixação de milhares de refugiados nos seus países, como os propósitos da Turquia, que vê neste acordo a possibilidade de liberalização da entrada dos seus cidadãos no espaço Schengen, como também de iniciar os preparativos para a sua adesão à União Europeia.
Todavia, este acordo contém nas suas entrelinhas árduos encargos financeiros e políticos para a UE, exigindo o dobro das verbas que inicialmente se havia previsto, como também a hipótese, cada vez mais real, da entrada da Turquia na UE, entrada essa que, exalta profundas cisões entre os europeus.
Partindo do princípio que o acordo estabelecido é legal, e que tem apenas como fim último o desencorajamento da imigração ilegal e do tráfico humano, não nos é possível, ainda assim, ignorar o facto de se colocar “em cima da mesa” a possibilidade de “trocar” pessoas, como se de mercadoria se tratasse. “ Em comunicado, a Amnistia Internacional perguntava como era possível que os chefes de Estado e de governo, na Europa e na Turquia, estivessem dispostos a regatear “os direitos e a dignidade de algumas das pessoas mais vulneráveis do mundo. Esta ideia peregrina de trocar refugiados é perigosamente desumana e não oferece nenhuma solução sustentável de longo prazo para a crise humanitária”. [1]
Para além dos obstáculos legislativos e legais que a “proposta de Ancara” enfrenta, esta tem pela frente o estorvo do “inimigo” cipriota, que não demonstra quaisquer intenções de ceder às pressões exercidas pela Comissão Europeia. O Presidente, Nicos Anastasiades, já deixou clara a sua intenção de vetar todos os processos que envolvam acordos respeitantes à adesão da Turquia à UE, caso a Turquia não permita a abertura dos seus portos e aeroportos à República do Chipre.
Em tempos controversos e delicados, como aqueles que a União Europeia tem vindo a vivenciar, há que ter em cautela a tomada de decisões enaltecidas por sentimentos recalcados, não podendo nunca esquecer que a UE foi instituída baseando-se no princípio “Unida na Diversidade”, e que ao se cometer o erro de ignorar os nossos princípios fundadores por situações de “exceção”, estamos a colocar em risco tudo aquilo que tem vindo a ser construído e alcançado por uma união de Estados. Há que não esquecer que, entre potencialidades e fraquezas dos seus Estados, a UE é constituída por 28 Estados-Membros, não “permitindo” nenhum deles agir à margem dos restantes.

Ana Leite, n.º 216283

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