terça-feira, 1 de março de 2016

Do medo da dominação à dominância sem coração

Geograficamente posicionada na Europa central, a Hungria tem sido historicamente pautada por um vasto conjunto de invasões estrangeiras que, de uma maneira ou outra, tem ajudado a construir a sua personalidade enquanto nação soberana dotada de desejos que salvaguardem o seu interesse nacional no grande âmbito da sua política externa actual.
É de salientar que a sua política externa tem acompanhado as várias emergências e posteriores colapsos de grandes potências do cenário internacional que a tem dominado, como é o caso do Império Mongol e, mais recentemente, da ex União Soviética, á qual esteve subjugada política, económica e socialmente. Do colapso desta última, nota-se contemporaneamente o esforço húngaro de potenciar uma real reaproximação à Europa e ao ocidente em geral.
Na sua mais recente revisão constitucional (2011), são directamente expressos valores assentes nesta pretensão. Esta partilha de valores verifica-se essencialmente na sua relação e nos tratados consagrados com organizações internacionais tais como, a Organização das Nações Unidas, a NATO, desde 1999, e para com a União Europeia da qual é membro desde 2004. Porém, verificamos que estes valores apenas têm funcionado com um guia de orientação impondo certos limites à efectiva tomada de decisão. A realidade é que face às fraquezas que tem sido demostradas tanto pela UE como pela NATO para lidar com os problemas emergentes do mundo actual, já para não falar das dificuldades de resolução de problemas sociais intimamente ligados à crise económica e de valores, a Hungria tem apostado antes numa estratégia mais independente e voltada para si mesma por meio a se salvaguardar.
Sinteticamente, a Hungria tem apostado numa política externa que passa pela consolidação do seu poder interno, apoiando-se num governo nacionalista, autoritário, conservador, centrado no fortalecimento da sua economia, da sua capacidade militar, xenófobo e pouco tolerante com a diversa cultural e religiosa, sendo que a tensão que existe entre Bruxelas e o governo do Viktor Orbán tem-se demonstrado uma estratégia soberba nesta consolidação. Facto é que, não é aparente a intenção de efectivo corte com qualquer uma destas organizações, e destas para com a Hungria. Uma cisão seria, neste momento critico, desastroso para ambas as partes já que, se para a Hungria isto significaria uma perda importante dos seus mercados de exportação, para a Europa perder um Estado-membro agravaria ainda mais tensão política, podendo mesmo espoletar uma saída em massa.
 Nisto, também é verdade que a Hungria de Viktor Orbán tem procurado o estabelecimento de uma política externa multidimensional que melhore as suas probabilidades e beneficie a nação. Tem essencialmente procurado estabelecer relações económicas e cooperativas com grandes potências mundiais como a China, a Rússia e os Estados Unidos. 
A verdade é que, sem qualquer tipo de pudor a Hungria tem sabido aproveitar o melhor que cada uma destas potências tem para oferecer sem comprometer a sua vontade interna, a soberania nacional, o regime politico dominado pelo Fidesz, que vem se fortalecendo desde 2011, e sem comprometer a sua segurança e a sustentabilidade do seu desenvolvimento e crescimento.
Neste seguimento, embora tenha sido feita vista grossa ao comportamento do governo húngaro relativamente a esta estratégia, já que é um governo ideologicamente apoiado num conjunto de valores que Bruxelas sabe que põe em risco princípios fundamentais no qual assenta o projecto europeu, a reacção tarda, e alertar para este facto é, no momento, de extrema importância.
Por outro lado, as notícias que não tardam em chegar é da cada vez maior intransigência húngara para com quem, fugido da guerra no médio oriente, chega na procura por uma vida melhor. É de notar que este cenário nada tem nem novo, nem de antigo o suficiente para que já nos tenhamos esquecido. Lembrar a forma como a Alemanha nazi projectou os seus valores a nível geopolítico é ver espelhado na Hungria a urgência do momento.
Posicionada na zona a que Mackinder chama de Heartland, a Hungria é uma das portas de entrada da Europa e do mundo ocidental. As fronteiras húngaras, são de facto consideradas em muitos momentos ao longo da história, as fronteiras do ocidente sendo que se identificam desde há muitos séculos como o último baluarte da civilização ocidental cristã. Salienta-se portanto que, sendo uma área geográfica, assente em valores de liberdade, direitos sociais e recursos capazes de criar prosperidade aos povos que nela habitam então, e apoiando-me em Mackider «(…) Who rules the Heartland commands the World Isla; Who rules the World Island commands the World». Por outras palavras, arrisco dizer que o esquecimento das realidades geopolíticas do momento, pode proporcionar no futuro um sério redesenhar do mapa político europeu.
Posto isto, acredito que se a Europa e o mundo continuarem a ignorar o contexto, politico e social vivido em solo húngaro, quem sabe esta se torne uma potência desencadeadora dos temores e dos terrores associados ao possível, e já previsível, colapso da UE e, ao regime que fez outrora fez estalar a 2ª Grande Guerra.
 Porém, e em contraponto, partindo do princípio que em relações internacionais uma das mais importantes premissas da lei internacional é que cada membro da comunidade internacional tem por excelência o direito de defensa da sua soberania e de defesa da integridade do seu território então, não esquecendo a história tumultuosa de construção do Estado-nação húngaro, faz todo o sentido que a carência de uma politica concreta capaz de solucionar os problemas imediatos associados à vaga avassaladora de refugiados que nos tem chegado, bem como a falta de uma linha orientadora de organização e pragmatismo para lidar como os problemas futuros que esta vaga irá trazer às economias e as sociedades europeias, fazem certamente com que o bloqueio à permanência desta cultura dentro das nossas fronteiras, seja fundamentado. Na Hungria ainda são bem visíveis as tormentas provocadas pela junção de povos historicamente divergentes graças às relações conflictuosas que ainda hoje esta tem com países vizinhos (Sérvia, a Roménia, a Ucrânia, a Croácia e Eslovénia e a Áustria).
Em suma, existe uma hipótese muitíssimo significativa de, como diz o ditado, “quem quer mais do que lhe convém, perder o que quer e o que tem”, ou seja, se por um lado se compreende que é urgente o asilo destas gentes que, apenas querem prosperar num ambiente de harmonia e de melhores oportunidades de vida, sendo que o ocidente tem como primordial dever, pela sua trajectória histórica, ser capaz de proporcionar isso mesmo aos povos que nela habitam, por outro, a Europa encontra-se a braços com questões que certamente porão em causa a sua sobrevivência enquanto organização forte e zelosa dos mais altos valores de liberdade e de democracia.
A permanência destes povos a logo prazo fará agravar problemas internos dos Estados, que nunca deixaram de o ser e, até mesmo, fazer reemergir outros. O desastre poderá ocorrer quando os filhos destas famílias que agora nos chegam, reivindicarem direitos e/ou uniformizações comportamentais da sociedade, de acordo com a sua própria cultura. Deixando de acatar ou, tentando alterar o nosso modo de vida, será sim, para mim, o verdadeiro calcanhar de Aquiles com que a Europa se defronta. Poderão surgir mais e, mais consolidados nacionalismos que poderão desencadear, quiçá, guerras civis. Afinal de contas, o projecto europeu só teve algum sucesso porque, embora inimigos em muitos momentos da história, os Estados-membro partilham uma mesma cultura.

Contudo, não pondo de parte o humanismo que ainda resta em mim, para que estas pessoas possam habitar e prosperar em território europeu, será vital a discussão e promulgação imediata de planos e leis que consigam no mínimo, lidar de forma coerente e determinada com estas questões e de as efectivamente solucionar. Todavia não deverá ser esquecido o dinamismo da questão, já que o passar do tempo nos obriga a uma constante adaptação face aos novos valores e vontades que se elevam, caso contrário, as consequências serão ruinosas e o trabalho já feito, em vão. 

 Fontes:
Livros:
▪ Valente de Almeida, Políbio. 2012.  Do Poder do Pequeno Estado. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
Fontes electrónicas:
▪ Barata, Carla. 2015. “Governo da Hungria declara guerra aos imigrantes”. Disponível em https://www.publico.pt/mundo/noticia/hungria-declara-guerra-aos-imigrantes-1706101. Consultado a 27 de Fevereiro de 2016
▪ Constitute project.org. 2015. –“Hungary’s Constitution of 2011”. Disponível em https://www.constituteproject.org/constitution/Hungary_2011.pdf. Consultado a 27 de Fevereiro de 2016
▪ Euro Dialogue. 2013. “Hungary seeks a multidimensional foreign policy”. Disponível em http://www.eurodialogue.eu/Hungary-seeks-a-multidimensional-foreign-policy. Consultado a 27 de Fevereiro de 2016
▪ Euronews. 2014. “ Uma Política Externa a olhar para dentro”. Disponível em http://pt.euronews.com/2014/04/03/uma-politica-externa-a-olhar-para-dentro/. Consultado a 27 de Fevereiro de 2016
▪ Ministry of Foreign Affairs of Hungary. 2011. “ Hungary’s Foreign Policy after the Hungarian Presidency of the Council of the European Union”. Disponível em http://eu.kormany.hu/admin/download/f/1b/30000/foreign_policy_20111219.pdf. Consultado a 27 de Fevereiro de 2016
▪ Shekhovtsov, Anton. 2015. “It’s Getting Ugly in Hungary”. Disponível em http://foreignpolicy.com/2015/05/20/its-getting-ugly-in-hungary/. Consultado a 27 de Fevereiro de 2016

Daniela Luís, nº 216282

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