INDONÉSIA: O PROTAGONISTA DE UM NOVO PIVOT GEOGRÁFICO GLOBAL
Parece inelutável a constatação de que a geopolítica se transformou no principal promotor de um modo de pensar espacial que organiza diferentes actores, elementos e locais numa espécie de xadrez global, num mundo em “encolhimento acelerado” proveniente dos inúmeros benefícios e malefícios associados ao processo de globalização e da complexidade crescente das instituições e actores que passaram a integrar tais espaços. Assim, é justo afirmar que existe um conjunto de ensinamentos desta disciplina que merecem ser revisitados por forma a fazer-se justiça à análise crítica que aqui se pretende fazer. Dois desses ensinamentos são respeitantes à “Heartland Theory” de Mackinder e à “Rimland” de Nicholas Spykman.. O regresso a ambas as teorias, à luz desta análise, acaba por servir o objectivo fundamental argumentar que a reabilitação do conceito do pivot geográfico global se adequa à orla continental ou rimland da eurásia, mais especificamente ao sudeste asiático, para além de explicar o porquê de a Indonésia ser o protagonista desta “nova zona pivot”, já que se localiza numa plataforma geográfica particularmente estratégica entre a “clássica” política de contenção (containment) dos EUA na região Ásia-Pacífico e uma potência terrestre com pretensões hegemónicas como é a China. Partindo destes pressupostos teóricos, e sabendo de antemão que não são só os recursos à disposição da potência que ditam o seu poder, pelo que estes por si só não são suficientes para explicar porque é algumas potências triunfam e outras não (embora tenham papel importante na criação da “força” do Estado, tal como apontado por Karl Deutsch), julgo estarem reunidas condições mais que suficientes para apontarmos a Indonésia como potência a ter “debaixo de olho” durante os próximos anos. Uma breve radiografia do panorama socioeconómico do país, embora em alguns indicadores fundamentais contraditória, ajuda-nos a corroborar esta afirmação. Os indicadores económicos e humanos retratam uma potência poderosa do ponto de vista comercial (27º país exportador segundo a OMC), sendo este um dos principais potenciadores do PIB (preços correntes) do país (que se estima em cerca de 872,6 Mil milhões de Dólares, o que simboliza um aumento superior a 386% face ao PIB nas mesmas condições na viragem do milénio, e que se prevê que ultrapasse a barreira do 1 bilião já em 2018, segundo dados do FMI) o que acaba por contrastar com uma taxa de pobreza fixada nos 11,3% (2014) e com uma notável fragilidade do ponto de vista da infraestrutura e da facilidade por parte de investidores estrangeiros em concretizarem a criação de empresas/negócios no país (116º do mundo segundo dados do banco mundial em 2014).Mesmo não ignorando estes último dados, o que é facto é que a Indonésia é dos poucos países que poderá argumentar que continua a crescer vigorosamente (a taxas nunca inferiores a 4,7% desde o ano de 2003- WEO do FMI - e isto vindo de um país que sofreu de forma particularmente grave a crise asiática de 1997-1998-) mesmo quando a “paisagem” internacional tem vindo a ser marcada, nos últimos anos, por um clima de incerteza e de contenção orçamental. Esta asserção ganha ainda mais valor se considerarmos os seguintes dados: A Indonésia é o único membro da região do ASEAN (e até de toda a Ásia do Sul, o que demonstra o “peso” não só político/estratégico mas energético de toda e qualquer acção que protagonize internacionalmente) com participação na OPEP (tendo a exportação de produtos petrolíferos sido um dos grandes impulsionadores da recuperação económica do país no pós-crise de 1997/1998) e no G20, sendo para além disso um dos MINT; Segundo, é um país bastante saudável do ponto de vista demográfico, o que em larga medida favorece os seus desígnios de desenvolvimento socioeconómico (entre o período 2012-2013, por exemplo, foram criados 1,2 milhões de empregos) ao mesmo tempo que assegura a renovação da população activa do país (estima-se que 27,7% da população tem entre 0-14 anos, 66,2% entre 15-64 anos e apenas 6,1% tem mais de 65 anos); Terceiro, a Indonésia constitui o maior mercado mundial de estanho e possui uma vasta riqueza de outros recursos naturais estratégicos como é o caso do óleo de palma, do ouro, prata, cobre, níquel, carvão e borracha (o que sempre ajudou a “aguçar o interesse de potências estrangeiras).Como foi dito anteriormente, não é só da força (materializada nos recursos à disposição e indicadores económicos supra-referidos) dos Estados que se extrai o seu eventual poder e capacidade de se assumirem no panorama da sociedade globalizada. É muitas vezes numa dialética entre uma postura intervencionista e uma postura quase isolacionista que se concretizam ou se desmantelam até os maiores projectos de potências que outrora ambicionaram ocupar papel de destaque na “great power politics” dos dias que viviam. Não parece ser esse o caso da Indonésia, cujas prioridades no âmbito da política externa não só estão bem definidas como a aproximam decisivamente do tal papel de protagonista numa zona cada vez mais contestada pelas tais forças da “great power politics”. Nesse sentido, podemos agrupar as actuais “preocupações” dos actores-chave na hora de formular objectivos de política externa da Indonésia nas seguintes categorias: Primeiro, o papel no ASEAN e em outras organizações fundadas ou lideradas pela Indonésia e os efeitos que isso poderá ter na arquitectura regional de poderes do Sudeste Asiático; Segundo, o papel na rivalidade sino-americana que tem vindo a intensificar-se na região; Terceiro, e por fim, a participação do país nas disputas territoriais no Mar da China Meridional e o papel da Indonésia no oceano índico, primordialmente pela sua participação no IORA. Se há elemento que, em última instância, serve de elo de ligação entre todas as preocupações de política externa da Indonésia terá que ser o segundo. EUA e China parecem caminhar para uma intensa rivalidade estratégica nas rimlands da Ásia do Sul e Sudeste. Os EUA, por exemplo, tomaram a liberdade de reforçarem os seus sistemas de alianças na zona (assim como a sua presença militar- 2500 marines estacionados na Austrália, estimando-se também que 60% da frota total americana esteja estacionada na zona até 2020), o que vem reforçar as teses neorrealistas de que o containment de uma grande potência terrestre asiática é e sempre foi a pretensão das diversas administrações americanas (algo que o revolucionário- mas sempre polémico- TPP veio ainda mais acentuar). Por seu lado, a China procura fazer valer a sua reputação de “bom vizinho” do ponto de vista económico para reforçar a sua influência na região, sendo as promessas de prosperidade num mundo ciclicamente “talhado” para sofrer crises sistémicas demasiado tentadora para se recusar (o progresso chinês nos últimos 30 anos, no entender da actual MNE, não constitui uma ameaça militar, mas sim uma ameaça à arquitectura regional do sudeste asiático, justamente pelas disputas territoriais que tem “levantado” no mar da China meridional). Os factos aqui expostos, que no passado levariam os países do ASEAN a procurarem fornecer “a web of multilateral platforms for major power’s engagement and interaction in the region” (Rizal Sukma) parece agora gerar maior prudência, no sentido em que esta rivalidade poderá muito bem contribuir para a polarização dos seus membros e deitar por terra todos os esforços de cooperação intergovernamental que levaram à sua própria fundação. Como membro e líder “de facto” do ASEAN, a Indonésia não poderá deixar de considerar a possibilidade de orientar a sua política externa (com o MNE com orçamento equivalente, em 2014, a Rp 4,58 biliões, cerca de 340,7 milhões de dólares) em conformidade com uma eventual intensificação da dita rivalidade. À partida parece, como Rizal Sukma faz questão de argumentar, que “leaning to one side is not an option”, já que a Indonésia quer (e precisa – recorde-se que 2 dos 4 maiores destinos das exportações indonésias são os EUA e a China-) que ambas as potências sejam parceiras ao invés de estarem a competir pela supremacia na região. Ao mesmo tempo, e para complicar um pouco as coisas, alguma da elite indonésia (sobretudo militar) parece defender que o ASEAN deverá estar livre de qualquer forma de competição entre potências extra-regionais, o que dificulta a tarefa já de si hercúlea de procurar uma convergência sino-americana de médio-longo prazo. A questão que se impõe, desta feita, é a de compreender, concretamente, os desígnios de política externa do país por forma a fazer face a este problema. Os grandes desígnios de política externa da “nova” Indonésia (aquela do período pós-ditatorial de Suharto, que entre outros elementos ditou genocídios e a ocupação de Timor) muitas vezes confundem-se com a acção de um estadista de relevo na história do país, o antigo presidente Susilo Yudhoyono. Esta afirmação encontra razão de ser nos seguintes aspectos: Impulso reformista deste estadista, que alterou a condução de política externa do país do poder militar para o MNE, passando as forças armadas a estarem subordinadas às decisões do Ministério (algo que não se verificava no passado); Unificação da política externa do país mediante uma “all directions foreign policy” na qual a Indonésia seria o país dos “mil parceiros e zero inimigos”, facto que se consolidou no reatar de relações intensas com a China (após o período declaradamente anti-comunista dos chefes de estado do período autoritário do séc.XX) e com outros parceiros estratégicos como o Japão, Coreia do Sul, Singapura, Malásia e Índia, consolidadas no ASEAN +3 e no ASEAN Regional Forum, para além de uma “Comprehensive Partnership” assinada com os EUA durante a presidência Obama. O sucessor de Yudhoyono, Jokowi Widodo, parece querer consolidar essa tendência, já que, à margem da sua candidatura presidencial em 2014, apontou como objectivos de política externa do país a promoção da identidade da Indonésia enquanto Estado-Arquipélago (o que implica participação em organizações e causas que visem auxiliar outros estados-arquipélago, como o MSG e o IORA), o realçar da importância da “middle-power diplomacy” (e é aqui que reside a chave para o sucesso da Indonésia, já que poderá funcionar como ponte entre as pretensões de EUA e China e assim certificar-se que as suas opiniões são ouvidas e os seus interesses são salvaguardados), o aumento do orçamento de defesa do país de 0,6 para 1,5% do PIB (mais um símbolo da prudência com que a rivalidade sino-americana deverá ser abordada) e, por fim, a afirmação da Indonésia como um eixo marítimo global, tanto pelo reforço da (já forte) presença no Pacífico, como pela expansão para o Índico, vistas pela MNE Retno Marsuli como “maritime highway of the 21st century”. Depois de tudo o que foi dito, não será difícil depreender que a resposta da Indonésia aos desafios correntes de política externa nos próximos tempos seja no sentido da preservação do princípio “bebas-aktif” (livre e activo), tanto no âmbito regional (equilíbrio dinâmico de poderes no sudeste asiático sob sua batuta, com a integração na East Asia Summit de países como a Austrália e Nova Zelândia (2010) como no âmbito extra-regional, com Rússia, China e EUA a serem mais que uma vez formalmente convidados a fazerem parte destas cimeiras e dos fóruns de defesa e segurança regional do ASEAN (ADMM-Plus), com a estratégia indonésia na “great power politics” a ser passível de ser descrita como simultaneamente de arbitragem (inúmeras foram as ocasiões em que a intervenção americana no médio oriente foi abertamente criticada pela Indonésia) e no sentido de fazer uma apólice de seguro contra a incerteza da rivalidade sino-americana, sem esquecer o papel das cada vez mais profundas relações com a UE à margem do EU-Indonesia Partnership and Cooperation Agreement, o primeiro no sudeste asiático à luz das orientações de p.externa do Tratado de Lisboa. Em jeito de conclusão, são muitos os desafios (grupos nacionalistas e separatistas, tensões entre grupos étnicos catástrofes naturais, terrorismo- recordem-se os atentados de Bali em 2001-, uma economia que em virtude da desvalorização dos preços do petróleo e das “commodities” como o ouro ou estanho se poderá ressentir no curto-médio prazo) que se colocarão no caminho da Indonésia, mas aquilo que é facto é que à luz dos dados aqui apresentados, se torna cada vez mais evidente que um triunfo da política externa do país dita prosperidade e estabilidade neste novo pivot geográfico, ao passo que o falhanço deste “middle-power” na mediação da rivalidade sino-americana na região poderá ditar um período de incerteza e instabilidade sem precedentes na região no séc.XXI. Luís ErmidaFontes:http://www.thejakartapost.com/news/2016/02/23/indonesia-develop-defense-systems.htmlhttp://pt.knoema.com/tbocwag/gdp-by-country-1980-2015?subject=U.S.%20dollars&country=Indonesiahttp://www.indonesia-investments.com/finance/macroeconomic-indicators/unemployment/item255http://www.thejakartapost.com/news/2016/01/05/indonesian-foreign-policy-raising-game-2016.htmlhttps://www.youtube.com/watch?v=h74EBHj0zS0Http://data.worldbank.org/country/indonesiahttps://www.creighton.edu/fileadmin/user/CCAS/departments/PoliticalScience/MVJ/docs/The_Pivot_-_Alcenat_and_Scott.pdf
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