terça-feira, 15 de março de 2016

ISIS e o Recrutamento Ocidental

Durante os últimos dois anos, e principalmente desde o ataque á redacção da revista Charlie Hebdo, que o terrorismo perpetuado pelo Estado Islâmico tem vindo a fazer parte da vida e atitude perante actores externos por parte dos Estados ditos ocidentais.No dia 11 de Setembro de 2001 aconteceu o que ninguém estava á espera quando quatro aviões foram sequestrados, tendo dois mandado a baixo as “Torres Gémeas”, um chocado contra o Pentágono e outro caído numa zona livre, mas com o objectivo de ir contra a Casa Branca em Washington DC. Foi a partir daqui que os Estados Unidos da América, na altura a maior potência mundial, declarou “War on Terror”, manipulando a sua politica externa de modo a conseguir fazer frente à entidade terrorista Al-Qaeda. A ideia de que o perigo destas organizações apenas se cinge á fronteira delimitada pelo Médio Oriente acabou, abrindo espaço a uma nova maneira de lidar com a situação. Passados quase 15 anos desde estes acontecimentos fatais, a Europa lida hoje com as mesmas preocupações.Como já referi, os Estados Unidos da América mudaram a sua política externa de moda a fazer frente a Al-Qaeda, após a declaração de guerra efectuada por estes, mudando então o pensamento ao criar a nova realidade onde se passa a defender um país, não de outro país, mas sim de um grupo de indivíduos com bastantes recursos. Hoje passa-se o mesmo, sendo que os atentados em Paris, na Tunísia, em Beirut e em Istanbul são provas disso, mas no entanto esta nova organização terrorista desenvolveu outras técnicas onde cidadãos de Estados ocidentais são também envolvidos: o recrutamento. O facto de uma organização feita por “meia dúzia” de homens conseguir chegar a um país dentro da Europa ou dentro da América e recrutar para o seu seio milhares de jovens e adultos, demonstra a fragilidade que existe para com o inimigo externo.Ao analisarmos a política externa e a política interna de um país, conseguimos rapidamente perceber que se interligam. Ao sofrer um atentado de um actor externo, muda-se a política interna de modo a lidar com as consequências (caso de Paris que declarou estado de emergência) e muda-se a política externa, fechando fronteiras e declarando guerra (bombardeando a Síria como aconteceu neste caso). A ISIS ao perpetuar atentados em Estados aliados, ao decapitar cidadãos Americanos e Britânicos, ao declarar guerra através de vários vídeos postados no Youtube com oradores de nacionalidades ocidentais e ao conseguir recrutar jovens menores e jovens adultos por toda a parte do globo, não só demonstra como está infiltrado na sociedade europeia e norte-americana como também ataca indirectamente o “1º mundo”, levando a que acabe por se tornar um vector importantíssimo na construção de uma nova política externa.
Segundo o relatório das Nações Unidas de Novembro de 2014, estimou-se que cerca de 15 000 soldados do exército da ISIS seriam estrangeiros de mais de 80 nacionalidades. Mais tarde, em Fevereiro de 2015, segundo um relatório da Inteligência dos Estados Unidos, estimou-se que o número anterior teria aumentado 5 000 soldados, passando a 20 000. Dos países com mais cidadãos presumidamente parte da ISIS temos a Tunísia (3000), a Rússia (1700) e a França (1200); dos países com menos temos a Suíça (40), a India (18) e Portugal (10-12). Hoje, em Março de 2016, ainda não se têm a certeza quantos estrangeiros lutam ao lado da organização terrorista mas sabe-se que o recrutamento continua activo, principalmente á “caça” de jovens entre os 16 e os 22 anos (sendo que a idade mais baixa relatada foi de 13 anos). Este tipo de recrutamento foi o que levou a que a política externa de guerra contra o Estado Islâmico se torna-se também a política interna de muitos países, sendo que agora o escrutínio de redes sociais como o Facebook, o Twitter e o Ask.fm está muito mais ligado a jovens do que a adultos formados, levando a que a segurança e, por vezes, a falta de privacidade permita aniquilar um recrutamento antes de este começar. A verdade é que a migração entre países ocidentais e a Síria ocupada tem diminuído bastante no último ano, tendo atingido o seu pico em 2013-2014 quando a propaganda do Daesh nas redes sociais quase não encontrava desafios e as viagens, tanto do país de origem para a Turquia de avião ou de outro transporte como a que atravessa a fronteira turca com a siria não eram tão vigiadas como hoje.
Dos casos mais infames de recrutamento temos o das três raparigas britânicas, duas com 15 anos e uma com 16, que viajaram para a Turquia e de lá atravessaram a fronteira para se juntarem á organização em 2015. As três amigas seguiram o exemplo de uma quarta rapariga que já se teria juntado á ISIS um ano antes após ter sido contactada através da rede social Twitter por Aqsa Mahmood, uma rapariga de Glasgow com 21 anos que fugiu do país em 2013 e é considerada culpada por uma grande parte dos recrutamentos femininos que aconteceram desde então. Aqsa, até ao verão de 2015, geria uma conta no Twitter e uma no Tumblr, onde partilhava e interagia com várias raparigas de modo a tentar chama-las para fazerem o “bem maior” ao lado dela no Estado Islâmico. Ao mesmo tempo, fornecia conselhos, como uma lista que publicou no seu perfil no Tumblr de coisas necessárias a levar para Raqqa, a capital declarada da ISIS e onde presumidamente se encontra; fornecia informações de como organizar as viagens, como fazer para ninguém próximo suspeitar da intenção de fugir; e, aquando do contacto, oferecia-se para pagar os custos das viagens se necessário ou para arranjar algum contacto no país de origem para ajudar a preparar tudo. Outro caso que se tornou também conhecido foi o do casal de jovens americanos que tentou apanhar um avião com a intenção de se juntarem á organização mas foram impedidos pela segurança norte-americana. Jaelyn Young, uma jovem afro-americana com 19 anos e o namorado Muhammad Dakhlalla, com 22 anos tentaram em Agosto de 2015 apanhar um avião de Mississípi para Amesterdão e mais tarde Istanbul, mas após uma investigação anteriormente começada, onde agentes do FBI contactaram Jaelyn e souberam dos seus objectivos de se juntar á “causa islâmica”, estes foram interceptados e estão hoje á espera da sentença.
Existem muitos mais exemplos, como dois rapazes e duas raparigas australianas que depois de se juntarem tornaram-se símbolos de propaganda em 2015, ou como mais de 200 jovens entre os 16 e os 35 anos que saíram de Kosovo para se juntarem á ISIS. O recrutamento é um mundo negro onde os membros do Daesh aprenderam a manipular e a utilizar todos os meios ao seu dispor para conseguir cumprir a sua missão. As técnicas em si não são nada de especial. Até ao ano passado, principalmente até aos atentados de Paris em Novembro de 2015, a utilização do Twitter era das mais eficazes, sendo o contacto feito através de mensagens privadas que depois de quem recruta ter a certeza que não estava a ser enganado passavam para o Telegram, uma aplicação de mensagens instantâneas encriptadas e mais tarde para o Skype, onde finalmente se conheciam “cara-a-cara”. Após o acontecimento acima descrito, o Twitter tomou medidas e fechou várias contas que se encontravam associadas á ISIS e a organização de hacktivismo conhecida como Anonymous tratou igualmente de fechar contas do Twitter e do Tumblr tal como vários sites associados ao terrorismo, levando a que o recrutamento passasse para a Deep Web. Outra rede social bastante utilizada para um primeiro contacto foi o Ask.fm, uma espécie de blog onde se pode fazer perguntas anonimamente. Um dos principais, antes de ser apagado, foi tornado público o seu conteúdo e onde podíamos encontrar perguntas tais como “se me juntar á ISIS vou poder disparar armas?” ou “o que tenho de fazer para ser um soldado?”. O tipo de discurso utilizado é bastante moderno, tentando sempre a que os jovens adiram á conversa e se sintam confortáveis, e são feitas promessas de vida eterna e aos rapazes de mulheres que os esperarão mal cheguem.
No passado dia 11 de Março foram publicados documentos obtidos pela imprensa alemã, britânica e síria que continha os nomes, moradas, pseudónimos e números de telefone de cerca de 22 000 pessoas que fazem parte do Estado Islâmico, com cerca de 40 nacionalidades diferentes. Apesar de ainda estarem a ser investigados, são tomados como verdadeiros e legítimos.
Em resumo, o recrutamento de cidadãos pertencentes a Estados do mundo ocidental demonstra a fragilidade com que os países se deparam, não conseguindo conter este tipo de problema; demonstra o poder da organização terrorista ao conseguir converter jovens menores a enfrentarem o medo de ir para uma zona de guerra e a lutarem em nome de uma doutrina extremista, incluindo raparigas e mulheres que deparadas com este tipo de manipulação, metem de lado os direitos e o tipo de vida a que sempre estiveram habituadas para se tornarem mulheres de um soldado e perderem a liberdade. Um dos discursos mais conhecidos de recrutamento, diz a estas jovens mulheres que se quiserem casar casam mas se não quiserem poderão desempenhar outras tarefas, o que na verdade acaba por ser mentira e muitas se deparam com abusos sexuais constantes. A manipulação é tão eficaz que convencem que as notícias da comunicação social ocidental são falsas e criam uma realidade ilusória oposta. Infelizmente, como todos os jovens que conseguiram regressar acabaram por ser acusados e muitos presos, a vontade de querer voltar é aniquilada pelo medo do que pode acontecer. A política externa dos países que fazem frente á ISIS muda para tentar combater esta situação, em conjunto com a política interna de contenção. O recrutamento é um problema sério e um ataque terrorista constante, abusando e manipulando de mentes jovens e facilmente fascinadas, acabando por depois cometer crimes contra a Humanidade e a Nação, qualquer que ela seja.  Um Estado que não consegue proteger uma criança deste tipo de pressão é, a meu ver, um Estado frágil.
 


Patrícia Silva


Fontes:
http://www.dailymail.co.uk/news/article-3193294/Mississippi-couple-charged-trying-join-ISIS-California-student-lied-passport-application-join-terror-group-Syria-pleads-guilty.html
http://www.mirror.co.uk/news/uk-news/runaway-british-jihadi-bride-writes-6179441
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2985239/Baby-faced-jihadi-Australian-teenager-called-Jake-good-maths-converted-Islam-fled-Middle-East-join-Islamic-State-fighters.html
http://www.dailymail.co.uk/news/article-3331846/Teenage-Islamist-poster-girl-fled-Austria-join-ISIS-beaten-death-terror-group-trying-escape-Syria.html
http://www.nytimes.com/2015/06/28/world/americas/isis-online-recruiting-american.htm

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