domingo, 17 de abril de 2016

Crimeia e a Incapacidade Internacional no Auxílio à Ucrânia

Os acontecimentos na Ucrânia, país da Europa de Leste e anterior república socialista soviética, têm-se revelado importantíssimos no entendimento do planeamento, aplicação e efectividade de sanções internacionais. No dia 28 e 29 de Novembro de 2013 realizou-se a Cimeira de Vilnius onde se encontraram os representantes dos seis países da Parceria Oriental, Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia e Ucrânia, dos 28 Estados Membros da U.E. e de instituições da U.E. Esta cimeira tinha como objectivo a assinatura do Acordo de Associação da Geórgia, Moldávia e Ucrânia com a U.E. que incluía o estabelecimento de uma zona de comércio livre. Porém, o presidente da Ucrânia, Víktor Yanukóvytch, decidiu não seguir em frente com a assinatura do acordo, preferindo a ligação de longa data com a Rússia. Esta decisão levou a intensos protestos no país, apelando à esperada aproximação à U.E.
O clima de instabilidade levou a um encontro, no dia 20 de Fevereiro de 2014, entre os ministros dos negócios estrangeiros da Polónia, Alemanha e França e o presidente ucraniano no sentido de alcançar um acordo que o fizesse terminar e garantisse a aproximação à U.E.. Mas no dia 22 de Fevereiro ocorre a destituição por parte do Parlamento ucraniano do Presidente Yanukóvytch, tomando este o poder executivo e sendo nomeado Presidente interino Oleksandr Turchynov. A destituição do líder pró-russo levou a que em zonas do país com maior predominância de população de etnia russa se observasse protestos e distúrbios, em especial, na Crimeia, região já com maior autonomia face ao governo central de Kiev. No dia 27 de Fevereiro homens armados tomam edifícios governamentais, incluindo o Parlamento regional, na capital da Crimeia, Simferopol, e hasteiam a bandeira russa. No dia seguinte dois aeroportos da região são tomados por forças armadas pró-russas, tendo o governo de Kiev acusado Moscovo de invasão e solicitado uma reunião urgente do Conselho de Segurança da O.N.U.. No dia 1 de Março observa-se a uma escalada no confronto quando o Parlamento russo autoriza o Presidente Vladimir Putin a utilizar a força militar na Ucrânia.
A Presidente da câmara alta da Assembleia Federal da Rússia, Valentina Matviyenko, justifica este facto pela necessidade de garantir a segurança da frota russa do Mar Negro e dos cidadãos russos que habitam no território da Crimeia. O primeiro-ministro interino ucraniano, Arseny Yatseniuk afirma que esta intervenção militar russa significa o início de uma guerra e o fim de qualquer relação entre a Ucrânia e a Rússia. O ministro dos negócios estrangeiros ucraniano, Andriy Deshchytsya, declarou que se encontrou com representantes europeus e dos E.U.A. e solicitou à O.T.A.N. para examinar todas as possibilidades para garantir a integridade territorial e a soberania da Ucrânia. O Presidente dos E.U.A., Barack Obama, já tinha avisado Moscovo das consequências da sua intervenção em solo ucraniano, tentando desta forma impedir uma escalada nos confrontos. No dia 6 de Março, o Parlamento regional da Crimeia votou e aprovou uma proposta para oficialmente fazer parte do território da Federação Russa. Esta integração na Federação Russa seria sujeita ao voto popular no dia 16 de Março. O primeiro-ministro interino da Ucrânia, Arseniy Yatsenyuk declara que a realização deste referendo é inconstitucional.
Os E.U.A. e a U.E. condenaram esta votação e juntaram-se ao governo ucraniano afirmando a ilegalidade da realização deste referendo. O Presidente Barack Obama instou o Presidente Vladimir Putin a procurar uma solução diplomática para a crise na Ucrânia, afirmando que as acções russas estavam a pôr em causa a soberania ucraniana. Por seu lado o Presidente Putin afirmou que as relações entre os E.U.A. e a Federação Russa não deviam ser sacrificadas devido a desacordos acerca de problemas internacionais individuais. Representantes da U.E. afirmaram que se a situação não fosse controlada e a soberania e integridade territorial da Ucrânia respeitadas iriam ser implementadas medidas como a proibição de viagens, o congelamento de bens, o cancelamento da Cimeira U.E.-Rússia e outras restrições e sanções económicas. No dia 10 de Março, o Parlamento regional da Crimeia aprovou a independência da península em relação à Ucrânia, utilizando o precedente do Kosovo para fundamentar esta decisão, tal como a Carta das Nações Unidas e uma série de outros documentos internacionais que estabelecem o direito dos povos à autodeterminação. No dia 16 de Março realizou-se o referendo e uma maioria de 96,8% dos votos mostrou-se favorável à secessão relativamente à Ucrânia e à integração na Federação Russa. No dia 18 de Março foi assinado o Tratado sobre a Anexação da República da Crimeia à Rússia entre os representantes da República da Crimeia e a Federação Russa, tendo sido ratificado pela Assembleia Federal Russa no dia 21 de Março. A comunidade internacional, em peso, condenou este acto e afirmou a sua ilegalidade. Tanto a U.E. como os E.U.A. afirmaram a ilegalidade desta anexação e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa seguiu o mesmo exemplo. No dia 27 de Março, a Assembleia Geral da O.N.U. aprovou uma resolução que considera o referendo que levou à anexação da Crimeia pela Rússia como ilegal e que reafirma o compromisso do Conselho na defesa da soberania, independência política, unidade e integridade territorial da Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. Porém estas declarações e contactos diplomáticos não surtiram efeito e foi necessário avançar com medidas restritivas, levando assim a cabo as ameaças que já tinham sido feitas. As cimeiras U.E.-Rússia foram canceladas, as negociações sobre a adesão da Rússia à O.C.D.E. e à Agência Internacional de Energia foram suspensas, o processo de liberalização do regime de vistos e das negociações sobre o Acordo-Quadro para a modernização entre a U.E. e a Rússia foram suspensos. Outras medidas restritivas foram impostas como o congelamento de bens e proibição de viagens a 146 pessoas e 37 entidades, o congelamento de bens de pessoas identificadas como responsáveis pela apropriação indevida de fundos públicos ucranianos, restrições às relações económicas com a Crimeia e Sebastopol, incluindo a proibição de importação de mercadorias dessas regiões, a proibição total de investimento e a proibição de prestação de serviços de turismo. Sanções económicas como a proibição de importação e exportação no que respeita ao comércio de armas e a proibição de exportação de equipamento militar dos países da U.E. para a Rússia foram também impostas. Foi limitado o acesso aos mercados de capitais primários e secundários da U.E., tal como, aplicadas restrições à cooperação económica com a Rússia. A imposição destas medidas restritivas tem sido coadjuvada pela prestação de assistência financeira à Ucrânia. Apesar da imposição destas sanções tem sido sempre mantido um diálogo diplomático entre as partes e a U.E. afirma a reversibilidade das medidas caso a Rússia recue e seja respeitada a soberania e integridade territorial da Ucrânia. Vale a pena referir que os Estados Membros da U.E. estiveram num primeiro momento divididos relativamente à imposição de medidas restritivas à Rússia que levaram tempo a ser aprovadas, perdendo assim o efeito esperado, ou seja, o recuo da Rússia. Esta falta de consenso entre o Estados Membros pode ser vista como uma falha na acção de política externa da U.E., que a descredibiliza e pode ser usada por outros actores internacionais a seu favor. Porém, as sanções adoptadas em Julho de 2014 já foram prolongadas por três vezes, Julho e Dezembro de 2015 e Março de 2016. A acção de política externa da U.E. foi então repensada e ficou clara a necessidade de complementar as sanções com outros instrumentos como acordos comerciais, cooperação financeira e técnica com os vizinhos da Rússia e missões da P.C.S.D. No dia 27 de Junho de 2014 foram assinados Acordos de Associação entre a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia e a U.E., seguindo esta estratégia de cooperação mas aprofundada com Estados que se considerava estarem na zona de influência da Rússia. Porém no dia 6 de Abril do presente ano realizou-se na Holanda um referendo acerca do Acordo de Associação entre a U.E. e a Ucrânia, acordo esse que foi rejeitado pela maioria dos votantes, sofrendo então esta estratégia de aproximação ao país vizinho da U.E. um revés e mostrando a complexidade na adopção de medidas de política externa pela U.E.

Bernardo Faria

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