Os
acontecimentos na Ucrânia, país da Europa de Leste e anterior república
socialista soviética, têm-se revelado importantíssimos no entendimento do
planeamento, aplicação e efectividade de sanções internacionais. No dia 28 e 29
de Novembro de 2013 realizou-se a Cimeira de Vilnius onde se encontraram os
representantes dos seis países da Parceria Oriental, Arménia, Azerbaijão,
Bielorrússia, Geórgia, Moldávia e Ucrânia, dos 28 Estados Membros da U.E. e de
instituições da U.E. Esta cimeira tinha como objectivo a assinatura do Acordo
de Associação da Geórgia, Moldávia e Ucrânia com a U.E. que incluía o
estabelecimento de uma zona de comércio livre. Porém, o presidente da Ucrânia,
Víktor Yanukóvytch, decidiu não seguir em frente com a assinatura do acordo,
preferindo a ligação de longa data com a Rússia. Esta decisão levou a intensos
protestos no país, apelando à esperada aproximação à U.E.
O
clima de instabilidade levou a um encontro, no dia 20 de Fevereiro de 2014,
entre os ministros dos negócios estrangeiros da Polónia, Alemanha e França e o
presidente ucraniano no sentido de alcançar um acordo que o fizesse terminar e
garantisse a aproximação à U.E.. Mas no dia 22 de Fevereiro ocorre a
destituição por parte do Parlamento ucraniano do Presidente Yanukóvytch, tomando
este o poder executivo e sendo nomeado Presidente interino Oleksandr Turchynov.
A destituição do líder pró-russo levou a que em zonas do país com maior
predominância de população de etnia russa se observasse protestos e distúrbios,
em especial, na Crimeia, região já com maior autonomia face ao governo central
de Kiev. No dia 27 de Fevereiro homens armados tomam edifícios governamentais,
incluindo o Parlamento regional, na capital da Crimeia, Simferopol, e hasteiam
a bandeira russa. No dia seguinte dois aeroportos da região são tomados por
forças armadas pró-russas, tendo o governo de Kiev acusado Moscovo de invasão e
solicitado uma reunião urgente do Conselho de Segurança da O.N.U.. No dia 1 de
Março observa-se a uma escalada no confronto quando o Parlamento russo autoriza
o Presidente Vladimir Putin a utilizar a força militar na Ucrânia.
A
Presidente da câmara alta da Assembleia Federal da Rússia, Valentina
Matviyenko, justifica este facto pela necessidade de garantir a segurança da
frota russa do Mar Negro e dos cidadãos russos que habitam no território da
Crimeia. O primeiro-ministro interino ucraniano, Arseny Yatseniuk afirma que
esta intervenção militar russa significa o início de uma guerra e o fim de
qualquer relação entre a Ucrânia e a Rússia. O ministro dos negócios
estrangeiros ucraniano, Andriy Deshchytsya, declarou que se encontrou com
representantes europeus e dos E.U.A. e solicitou à O.T.A.N. para examinar todas
as possibilidades para garantir a integridade territorial e a soberania da Ucrânia.
O Presidente dos E.U.A., Barack Obama, já tinha avisado Moscovo das
consequências da sua intervenção em solo ucraniano, tentando desta forma
impedir uma escalada nos confrontos. No dia 6 de Março, o Parlamento regional
da Crimeia votou e aprovou uma proposta para oficialmente fazer parte do
território da Federação Russa. Esta integração na Federação Russa seria sujeita
ao voto popular no dia 16 de Março. O primeiro-ministro interino da Ucrânia,
Arseniy Yatsenyuk declara que a realização deste referendo é inconstitucional.
Os
E.U.A. e a U.E. condenaram esta votação e juntaram-se ao governo ucraniano
afirmando a ilegalidade da realização deste referendo. O Presidente Barack
Obama instou o Presidente Vladimir Putin a procurar uma solução diplomática
para a crise na Ucrânia, afirmando que as acções russas estavam a pôr em causa
a soberania ucraniana. Por seu lado o Presidente Putin afirmou que as relações
entre os E.U.A. e a Federação Russa não deviam ser sacrificadas devido a
desacordos acerca de problemas internacionais individuais. Representantes da
U.E. afirmaram que se a situação não fosse controlada e a soberania e
integridade territorial da Ucrânia respeitadas iriam ser implementadas medidas
como a proibição de viagens, o congelamento de bens, o cancelamento da Cimeira
U.E.-Rússia e outras restrições e sanções económicas. No dia 10 de Março, o
Parlamento regional da Crimeia aprovou a independência da península em relação
à Ucrânia, utilizando o precedente do Kosovo para fundamentar esta decisão, tal
como a Carta das Nações Unidas e uma série de outros documentos internacionais
que estabelecem o direito dos povos à autodeterminação. No dia 16 de Março
realizou-se o referendo e uma maioria de 96,8% dos votos mostrou-se favorável à
secessão relativamente à Ucrânia e à integração na Federação Russa. No dia 18
de Março foi assinado o Tratado sobre a Anexação da República da Crimeia à
Rússia entre os representantes da República da Crimeia e a Federação Russa,
tendo sido ratificado pela Assembleia Federal Russa no dia 21 de Março. A
comunidade internacional, em peso, condenou este acto e afirmou a sua
ilegalidade. Tanto a U.E. como os E.U.A. afirmaram a ilegalidade desta anexação
e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa seguiu o mesmo exemplo. No dia
27 de Março, a Assembleia Geral da O.N.U. aprovou uma resolução que considera o
referendo que levou à anexação da Crimeia pela Rússia como ilegal e que
reafirma o compromisso do Conselho na defesa da soberania, independência
política, unidade e integridade territorial da Ucrânia dentro das suas
fronteiras internacionalmente reconhecidas. Porém estas declarações e contactos
diplomáticos não surtiram efeito e foi necessário avançar com medidas
restritivas, levando assim a cabo as ameaças que já tinham sido feitas. As
cimeiras U.E.-Rússia foram canceladas, as negociações sobre a adesão da Rússia
à O.C.D.E. e à Agência Internacional de Energia foram suspensas, o processo de
liberalização do regime de vistos e das negociações sobre o Acordo-Quadro para
a modernização entre a U.E. e a Rússia foram suspensos. Outras medidas
restritivas foram impostas como o congelamento de bens e proibição de viagens a
146 pessoas e 37 entidades, o congelamento de bens de pessoas identificadas
como responsáveis pela apropriação indevida de fundos públicos ucranianos,
restrições às relações económicas com a Crimeia e Sebastopol, incluindo a
proibição de importação de mercadorias dessas regiões, a proibição total de
investimento e a proibição de prestação de serviços de turismo. Sanções económicas
como a proibição de importação e exportação no que respeita ao comércio de
armas e a proibição de exportação de equipamento militar dos países da U.E.
para a Rússia foram também impostas. Foi limitado o acesso aos mercados de
capitais primários e secundários da U.E., tal como, aplicadas restrições à
cooperação económica com a Rússia. A imposição destas medidas restritivas tem
sido coadjuvada pela prestação de assistência financeira à Ucrânia. Apesar da
imposição destas sanções tem sido sempre mantido um diálogo diplomático entre
as partes e a U.E. afirma a reversibilidade das medidas caso a Rússia recue e
seja respeitada a soberania e integridade territorial da Ucrânia. Vale a pena
referir que os Estados Membros da U.E. estiveram num primeiro momento divididos
relativamente à imposição de medidas restritivas à Rússia que levaram tempo a
ser aprovadas, perdendo assim o efeito esperado, ou seja, o recuo da Rússia.
Esta falta de consenso entre o Estados Membros pode ser vista como uma falha na
acção de política externa da U.E., que a descredibiliza e pode ser usada por
outros actores internacionais a seu favor. Porém, as sanções adoptadas em Julho
de 2014 já foram prolongadas por três vezes, Julho e Dezembro de 2015 e Março
de 2016. A acção de política externa da U.E. foi então repensada e ficou clara
a necessidade de complementar as sanções com outros instrumentos como acordos
comerciais, cooperação financeira e técnica com os vizinhos da Rússia e missões
da P.C.S.D. No dia 27 de Junho de 2014 foram assinados Acordos de Associação
entre a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia e a U.E., seguindo esta estratégia de
cooperação mas aprofundada com Estados que se considerava estarem na zona de
influência da Rússia. Porém no dia 6 de Abril do presente ano realizou-se na
Holanda um referendo acerca do Acordo de Associação entre a U.E. e a Ucrânia,
acordo esse que foi rejeitado pela maioria dos votantes, sofrendo então esta
estratégia de aproximação ao país vizinho da U.E. um revés e mostrando a
complexidade na adopção de medidas de política externa pela U.E.
Bernardo
Faria
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