quarta-feira, 13 de abril de 2016

Islândia e os Panama Papers

      Os Panama Papers, tão comentados desde o início do escândalo da sua descoberta, são mais de 11,5 milhões de documentos internos da firma de advogados Mossack Fonseca, que tem sede no Panamá. Este escritório é um dos que mais empresas cria em paraísos fiscais em todo o mundo. Um jornal alemão, o Suddeustche Zeitug, terá tido acesso aos documentos, partilhando-os com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, uma ONG sediada nos Estados Unidos da América, na qual participaram na respectiva análise mais de 100 jornais dispostos por 76 diferentes países. Entre os documentos secretos estão emails, contas bancárias, bases de dados, passaportes e registos de clientes de um total de 214.488 sociedades criadas em offshorese com ligação a mais de 200 países. É importante também compreender que um offshore, ou paraíso fiscal, é um território onde a criação de empresas é uma das principais, se não a mais importante, indústria do país, mesmo que grande parte ou quase todas estas empresas não tenham trabalhadores ou qualquer tipo de atividade sobre inúmeras vantagens fiscais, tais como os baixos valores de impostos e o alto secretismo fiscal, facilitando a ocultação de bens e património. À partida esta é uma prática perfeitamente legal desde que se transmita essa informação às autoridades fiscais. O que denuncia então os Panama Papers se se trata duma prática legal? As centenas de documentos expostos ajudam a compreender toda uma rede oculta de movimentação de dinheiro, usada por chefes de Estado e Governo, suas famílias e outras personalidades. Nem tudo o que o está nos documentos é ilegal. Entre os exemplos dados pelos jornalistas que fazem parte do Consórcio está a ajuda dada pela Mossack Fonseca ao titular de uma empresa que já tinha sido ligado publicamente a um caso de fraude na África do Sul que levou à falência de, entre outros, um fundo de apoio aos familiares das vítimas de um acidente numa mina de ouro; ou o apoio à criação de uma sociedade offshore por parte de um empresário norte-americano condenado e preso por pedofilia, que viajava para a Rússia para ter relações sexuais com menores órfãos. Outro caso explicado pelos jornalistas é o de 33 empresas na lista negra dos Estados Unidos que teriam negócios com traficantes de droga mexicanos, países com sanções internacionais – como o Irão e a Coreia do Norte – e grupos terroristas como o Hezbollah. Uma destas empresas é acusada pelos Estados Unidos de fornecer o combustível a um avião usado pelo regime de Bashar al-Assad na Síria para bombardear e matar milhares dos seus próprios cidadãos.
            Um dos actores mais rapidamente afectados foi precisamente o Primeiro-Ministro da Islândia, Sigmundur David Gunnlaugsson e a sua mulher, acusados de serem proprietários de uma empresa chamada Wintris Inc., que detém cerca de 4 milhões de dólares em obrigações nos três maiores bancos islandeses, que faliram na crise financeira de 2008. Na altura, Gunnlaugsson foi uma das vozes contra o resgate a credores estrangeiros. Quando Gunnlaugsson entrou para o Parlamento, em 2009, não declarou que detinha esta participação na Wintris, apesar de só no último dia do ano ter vendido à mulher os 50% que detinha. Gunnlaugsson vendeu as ações que detinha a um dólar. Ainda não se sabe se a posição política do primeiro-ministro beneficiou ou prejudicou o valor das obrigações detidas pela Wintris, mas sabe-se que não é a primeira vez que é confrontado com questões de âmbito fiscal. Gunnlaugsson já tinha abandonou uma entrevista a meio, realizada pela televisão sueca SVT, quando lhe foi colocada uma pergunta sobre a empresa. Afirmou não estar preparado para responder, questionando a pergunta e afirmando que se tratava de algo totalmente inapropriado. As manifestações já arrancaram no país e o Parlamento vai votar uma moção de censura, mas ainda não há data para isso. A ex-primeira-ministra Jóhanna Sigurðardóttir (do Partido Social Democrata) já veio a público exigir a “demissão imediata” de Gunnlaugsson e uma “explicação clara sobre os factos”.

 João Mendes

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