Quando
falamos em potenciais membros, num futuro próximo (não mais distante do que
2025/2030) da União Europeia, temos necessariamente de elencar um restrito
conjunto de Estados soberanos que, pelos seus esforços e impulsos reformistas
ou por interesses meramente geopolíticos, se têm progressiva e aceleradamente
assumido como “parceiros da União”. Uma análise cuidada dos Estados presentes
neste elenco (que, recorde-se, só poderão passar a integrar plenamente a União
se cumprirem os famosos “critérios de Copenhaga” estabelecidos ao abrigo das
Políticas de Alargamento da UE) leva-nos a concluir que os Balcãs ocidentais
(aqueles de onde "saíram” os países independentes do pós- Guerras
Jugoslavas) deverão ser a “next big thing”
no que à expansão e consolidação da influência desta instituição sui generis
diz respeito, já que, entre os países actualmente em negociações de adesão, a
esmagadora maioria se localiza nesta zona do globo. Não obstante o que aqui foi
referido, é importante reforçar que esta “next
big thing” não resulta de uma súbita mudança estratégica dos planos da
União, sendo antes o (possível) culminar de uma já longa promessa de sucessivos
líderes europeus feita aos países daquela região no sentido de “facilitar” o
processo de adesão em troca da procura de condições para que se declarasse o
fim dos conflitos bélicos que tão infamemente denegriram a imagem destes países
no Mundo. É, portanto, ao abrigo da “Western Balkans Policy” da União (que
engloba a mudança da temática das relações com os países dos balcãs ocidentais
do dossiê das relações externas para o das políticas de alargamento, em 2005 e
o estabelecimento, na Cimeira de Salónica de 2003 e por meio da Thessaloniki
Declaration e da Thessaloniki Agenda for the Western Balkans: moving towards
European Integration) que se encontra o fundamento e o suporte para que, no ano
de 2016, países como a Sérvia possam estar, literalmente com “um pé” na União,
quando nem há duas décadas e meia se revestiam de tom negro as nuvens que
pairavam sobre os horizontes do país.
O
percurso da Sérvia em direcção ao “el dorado” europeu tem tanto de lesto e
satisfatório como de lento e contraditório, tal é a facilidade e velocidade com
que um aparente avanço se torna recuo e tal é a forma como a intransigência de
parte a parte (na altura de fazer cedências em questões fracturantes como o
Kosovo) tem pautado e caracterizado uma parte significativa das negociações –
recorde-se que data de 2005 o início das conversações tendo em vista um Acordo
de Estabilização e Associação que acelerasse a adesão ao abrigo da tal Western
Balkans Policy, ao qual a Croácia também foi sujeita, e que essas mesmas
conversações foram suspensas por duas ocasiões, em 2006 e 2010, após inércia da
Sérvia em tomar providências no sentido de deter e apresentar à Justiça alguns
suspeitos da prática de crimes de Guerra durante os anos 90 (os famosos líderes
da “libertação sérvia” na Croácia, Bósnia e Kosovo Karadzic, Mladic e Hadzic) e
ainda mais uma vez no final de 2010, devido à inexistência – à data- de acordos
formais de pacificação e normalização de relações com o Kosovo, recentemente
(2008, ainda sob “tutela” da ONU) auto-proclamado Estado soberano- sendo que,
apesar de tudo, o país tem vindo a conseguir ultrapassar esses obstáculos e
constrangimentos, ao ponto de se terem aberto oficialmente negociações (as tais
“chapter by chapter” como usualmente referem os responsáveis europeus) no ano
de 2014, após o país ter chegado a princípio de acordo com o Kosovo (que entre
outras coisas estabeleceu a atribuição de um código telefónico nacional ao país
– uma “enorme” cedência dos sérvios à data – e a autonomização de uma região no
Norte do Kosovo – de maioria sérvia e cristã ortodoxa e não albanesa muçulmana
–, que passaria a receber assistência financeira de Belgrado e que teria a sua
própria força de segurança e tribunais). O factor potenciador desta análise, e
que em grande medida justifica a sua pertinência e actualidade, radica num
facto político digno de registo, já que não constitui prática regular em muitos
dos países que constituem a União: o facto de o PM Vucic ter requerido ao PR
Nikolic a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições
antecipadas (marcadas para 24 de Abril), quando o mandato governativo do mesmo
não só não estava sob ameaça, como só seria escrutinado por meio de sufrágio
universal no ano de 2018.
No
seguimento da exposição deste facto político, torna-se imperativa a resposta a
duas questões de fundo: “Porquê marcar eleições a meio do mandato governativo?”
e “De que forma é que estas eleições poderão influenciar o “compromisso de
aproximação à Europa” assumido pelo país desde o início da década?”. A resposta
à primeira questão resume-se a uma evidente divergência de narrativas, onde
pontificam a justificação governativa - que se fundamenta pela necessidade de
aprofundar e consolidar a aproximação à Europa, o que implica “mais reformas” e
portanto “mais tempo” para estabelecer e aplicar essas reformas, pelo que a
extensão do mandato até 2020 favoreceria esse propósito - e a justificação
alternativa (tanto na esfera nacional como na esfera internacional, em especial
pela diáspora sérvia e alguma academia), bastante crítica do executivo – que
aponta ao governo de Vucic o problema de ser um “one man show” que está
constantemente em campanha (e que assim mascara os eventuais falhanços do
Executivo que lidera) e que procura legitimar um regime semi-autoritário onde,
ao invés de vigorar a Lei Fundamental do Estado, vigora o poder informal da
excessiva dependência em relação ao sector público, materializado na corrupção
e no clientelismo e onde, ao invés de se contribuir para o diálogo político
construtivo, se recorre a todas e quaisquer estratégias no sentido de enfraquecer
e denegrir qualquer alternativa governativa -, sendo que a explicação mais
plausível poderá residir na análise das próprias sondagens feitas ao longo
destes últimos meses (que conferem esmagadora vitória a Vucic) e num misto das
duas justificações, ou seja, existe claramente uma razão estratégica de
enfraquecimento da oposição (que se compreende desde o Partido Socialista
Sérvio, liderado pelo actual MNE ao partido ultra-nacionalista e pró-Russo de
Vojislav Seselj - recentemente ilibado de acusações referentes à prática de
crimes de guerra - e que se apresenta bastante fragilizada e incapaz de “deter”
este forte impulso político do Partido Progressista de Vucic) e de “ganho de
tempo” para aplicar as reformas que permitirão a adesão à UE, e em simultâneo,
e sabendo da popularidade de que goza junto do eleitorado, não haverá o risco
de o actual PM perder o mandato, pelo que verá assim reforçada (pelo voto
popular) a legitimidade para conduzir o processo de integração europeia que o
país, nas suas palavras, “tanto almeja”, para além de reforçar o poder do
partido de governo nas esferas locais e autónomas (como Vojvodina, por exemplo).
Em relação à segunda questão, esta terá que ser compreendida por meio da
tentativa sérvia de harmonizar as futuras relações profundas com a UE com os
laços tradicionais e fundamentais que o país estabelece com a Rússia – tentando
obter o “melhor dos dois mundos”- sendo este um desafio que não só não se
adivinha fácil como poderá ditar o insucesso deste empreendimento de aproximação
à UE. E assim o é por 3 grandes razões: Em primeiro lugar, pelas próprias
convicções do governo de Vucic, que reclama afinidades culturais e sociais
profundas com os russos que não poderão ser rejeitadas sem quaisquer
contemplações, bem como pelo facto de o governo russo ter sido dos poucos a
ajudar a Sérvia a lidar com o seu défice excessivo com um empréstimo de 1000
milhões de dólares em 2008. Em segundo lugar, no seguimento do primeiro ponto e
sabendo que a adesão à UE implica um alinhamento com a “política externa” da
organização, pelo facto de não ser claro até que ponto é que atitudes sérvias
como a não imposição de sanções à Rússia após anexação da Crimeia e de os dois
países realizarem com alguma regularidade exercícios militares conjuntos
(recorde-se que a Sérvia coopera mas não pertence à NATO, optando pela
neutralidade) serão toleradas (são de referência obrigatória, a este propósito,
as palavras de David McAllister, “Rapporteur” pela Sérvia e MEP, quando
qualifica como “lamentáveis” estas atitudes de uma Sérvia que se quer assumir
como “europeia”). Em terceiro e último lugar, pelo facto de parecer que esta
“tentativa de harmonização” não mais é do que uma indecisão no campo das
prioridades de política externa do país – que, em franca verdade, até condiz
com a atitude de potências de perfil geopolítico semelhante ao da Sérvia, ou
seja, de países enquadrados na dialética entre 2 grandes conglomerados -, sendo
a suprema manifestação desta noção a ideia de uma Sérvia que, nunca fechando a
porta à Rússia, responde (e apoia) afirmativamente ao apelo dos EUA para a
construção de gasodutos desde o Azerbeijão até à Europa, procurando reduzir a
dependência energética do continente em relação à congénere russa.
De
qualquer forma, e não obstante tudo aquilo que aqui foi dito, parece
indiscutível que, embora pouco disputadas, estas eleições serão decisivas para
o futuro da Sérvia, tal é a importância e magnitude dos desafios que aguardam o
país, sendo cada vez mais certo que este será forçado a fazer escolhas (UE ou
Rússia) e que essas escolhas vincularão significativamente não só esta geração
como as gerações vindouras.
Luís
Ermida
Fontes:
http://carnegieeurope.eu/strategiceurope/?fa=61119
http://www.euractiv.rs/vesti/8755-a-move-away-from-russia.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+euractiv%2Feaenglish+%28EurActiv+English%29
http://www.balkaninsight.com/en/article/serbia-goes-to-early-elections-03-02-2016
http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-17912583
http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-35933468
Sem comentários:
Enviar um comentário