domingo, 24 de abril de 2016

O derradeiro obstáculo à construção de uma Sérvia pró-UE?

Quando falamos em potenciais membros, num futuro próximo (não mais distante do que 2025/2030) da União Europeia, temos necessariamente de elencar um restrito conjunto de Estados soberanos que, pelos seus esforços e impulsos reformistas ou por interesses meramente geopolíticos, se têm progressiva e aceleradamente assumido como “parceiros da União”. Uma análise cuidada dos Estados presentes neste elenco (que, recorde-se, só poderão passar a integrar plenamente a União se cumprirem os famosos “critérios de Copenhaga” estabelecidos ao abrigo das Políticas de Alargamento da UE) leva-nos a concluir que os Balcãs ocidentais (aqueles de onde "saíram” os países independentes do pós- Guerras Jugoslavas) deverão ser a “next big thing” no que à expansão e consolidação da influência desta instituição sui generis diz respeito, já que, entre os países actualmente em negociações de adesão, a esmagadora maioria se localiza nesta zona do globo. Não obstante o que aqui foi referido, é importante reforçar que esta “next big thing” não resulta de uma súbita mudança estratégica dos planos da União, sendo antes o (possível) culminar de uma já longa promessa de sucessivos líderes europeus feita aos países daquela região no sentido de “facilitar” o processo de adesão em troca da procura de condições para que se declarasse o fim dos conflitos bélicos que tão infamemente denegriram a imagem destes países no Mundo. É, portanto, ao abrigo da “Western Balkans Policy” da União (que engloba a mudança da temática das relações com os países dos balcãs ocidentais do dossiê das relações externas para o das políticas de alargamento, em 2005 e o estabelecimento, na Cimeira de Salónica de 2003 e por meio da Thessaloniki Declaration e da Thessaloniki Agenda for the Western Balkans: moving towards European Integration) que se encontra o fundamento e o suporte para que, no ano de 2016, países como a Sérvia possam estar, literalmente com “um pé” na União, quando nem há duas décadas e meia se revestiam de tom negro as nuvens que pairavam sobre os horizontes do país.
O percurso da Sérvia em direcção ao “el dorado” europeu tem tanto de lesto e satisfatório como de lento e contraditório, tal é a facilidade e velocidade com que um aparente avanço se torna recuo e tal é a forma como a intransigência de parte a parte (na altura de fazer cedências em questões fracturantes como o Kosovo) tem pautado e caracterizado uma parte significativa das negociações – recorde-se que data de 2005 o início das conversações tendo em vista um Acordo de Estabilização e Associação que acelerasse a adesão ao abrigo da tal Western Balkans Policy, ao qual a Croácia também foi sujeita, e que essas mesmas conversações foram suspensas por duas ocasiões, em 2006 e 2010, após inércia da Sérvia em tomar providências no sentido de deter e apresentar à Justiça alguns suspeitos da prática de crimes de Guerra durante os anos 90 (os famosos líderes da “libertação sérvia” na Croácia, Bósnia e Kosovo Karadzic, Mladic e Hadzic) e ainda mais uma vez no final de 2010, devido à inexistência – à data- de acordos formais de pacificação e normalização de relações com o Kosovo, recentemente (2008, ainda sob “tutela” da ONU) auto-proclamado Estado soberano- sendo que, apesar de tudo, o país tem vindo a conseguir ultrapassar esses obstáculos e constrangimentos, ao ponto de se terem aberto oficialmente negociações (as tais “chapter by chapter” como usualmente referem os responsáveis europeus) no ano de 2014, após o país ter chegado a princípio de acordo com o Kosovo (que entre outras coisas estabeleceu a atribuição de um código telefónico nacional ao país – uma “enorme” cedência dos sérvios à data – e a autonomização de uma região no Norte do Kosovo – de maioria sérvia e cristã ortodoxa e não albanesa muçulmana –, que passaria a receber assistência financeira de Belgrado e que teria a sua própria força de segurança e tribunais). O factor potenciador desta análise, e que em grande medida justifica a sua pertinência e actualidade, radica num facto político digno de registo, já que não constitui prática regular em muitos dos países que constituem a União: o facto de o PM Vucic ter requerido ao PR Nikolic a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições antecipadas (marcadas para 24 de Abril), quando o mandato governativo do mesmo não só não estava sob ameaça, como só seria escrutinado por meio de sufrágio universal no ano de 2018.
No seguimento da exposição deste facto político, torna-se imperativa a resposta a duas questões de fundo: “Porquê marcar eleições a meio do mandato governativo?” e “De que forma é que estas eleições poderão influenciar o “compromisso de aproximação à Europa” assumido pelo país desde o início da década?”. A resposta à primeira questão resume-se a uma evidente divergência de narrativas, onde pontificam a justificação governativa - que se fundamenta pela necessidade de aprofundar e consolidar a aproximação à Europa, o que implica “mais reformas” e portanto “mais tempo” para estabelecer e aplicar essas reformas, pelo que a extensão do mandato até 2020 favoreceria esse propósito - e a justificação alternativa (tanto na esfera nacional como na esfera internacional, em especial pela diáspora sérvia e alguma academia), bastante crítica do executivo – que aponta ao governo de Vucic o problema de ser um “one man show” que está constantemente em campanha (e que assim mascara os eventuais falhanços do Executivo que lidera) e que procura legitimar um regime semi-autoritário onde, ao invés de vigorar a Lei Fundamental do Estado, vigora o poder informal da excessiva dependência em relação ao sector público, materializado na corrupção e no clientelismo e onde, ao invés de se contribuir para o diálogo político construtivo, se recorre a todas e quaisquer estratégias no sentido de enfraquecer e denegrir qualquer alternativa governativa -, sendo que a explicação mais plausível poderá residir na análise das próprias sondagens feitas ao longo destes últimos meses (que conferem esmagadora vitória a Vucic) e num misto das duas justificações, ou seja, existe claramente uma razão estratégica de enfraquecimento da oposição (que se compreende desde o Partido Socialista Sérvio, liderado pelo actual MNE ao partido ultra-nacionalista e pró-Russo de Vojislav Seselj - recentemente ilibado de acusações referentes à prática de crimes de guerra - e que se apresenta bastante fragilizada e incapaz de “deter” este forte impulso político do Partido Progressista de Vucic) e de “ganho de tempo” para aplicar as reformas que permitirão a adesão à UE, e em simultâneo, e sabendo da popularidade de que goza junto do eleitorado, não haverá o risco de o actual PM perder o mandato, pelo que verá assim reforçada (pelo voto popular) a legitimidade para conduzir o processo de integração europeia que o país, nas suas palavras, “tanto almeja”, para além de reforçar o poder do partido de governo nas esferas locais e autónomas (como Vojvodina, por exemplo). Em relação à segunda questão, esta terá que ser compreendida por meio da tentativa sérvia de harmonizar as futuras relações profundas com a UE com os laços tradicionais e fundamentais que o país estabelece com a Rússia – tentando obter o “melhor dos dois mundos”- sendo este um desafio que não só não se adivinha fácil como poderá ditar o insucesso deste empreendimento de aproximação à UE. E assim o é por 3 grandes razões: Em primeiro lugar, pelas próprias convicções do governo de Vucic, que reclama afinidades culturais e sociais profundas com os russos que não poderão ser rejeitadas sem quaisquer contemplações, bem como pelo facto de o governo russo ter sido dos poucos a ajudar a Sérvia a lidar com o seu défice excessivo com um empréstimo de 1000 milhões de dólares em 2008. Em segundo lugar, no seguimento do primeiro ponto e sabendo que a adesão à UE implica um alinhamento com a “política externa” da organização, pelo facto de não ser claro até que ponto é que atitudes sérvias como a não imposição de sanções à Rússia após anexação da Crimeia e de os dois países realizarem com alguma regularidade exercícios militares conjuntos (recorde-se que a Sérvia coopera mas não pertence à NATO, optando pela neutralidade) serão toleradas (são de referência obrigatória, a este propósito, as palavras de David McAllister, “Rapporteur” pela Sérvia e MEP, quando qualifica como “lamentáveis” estas atitudes de uma Sérvia que se quer assumir como “europeia”). Em terceiro e último lugar, pelo facto de parecer que esta “tentativa de harmonização” não mais é do que uma indecisão no campo das prioridades de política externa do país – que, em franca verdade, até condiz com a atitude de potências de perfil geopolítico semelhante ao da Sérvia, ou seja, de países enquadrados na dialética entre 2 grandes conglomerados -, sendo a suprema manifestação desta noção a ideia de uma Sérvia que, nunca fechando a porta à Rússia, responde (e apoia) afirmativamente ao apelo dos EUA para a construção de gasodutos desde o Azerbeijão até à Europa, procurando reduzir a dependência energética do continente em relação à congénere russa.
De qualquer forma, e não obstante tudo aquilo que aqui foi dito, parece indiscutível que, embora pouco disputadas, estas eleições serão decisivas para o futuro da Sérvia, tal é a importância e magnitude dos desafios que aguardam o país, sendo cada vez mais certo que este será forçado a fazer escolhas (UE ou Rússia) e que essas escolhas vincularão significativamente não só esta geração como as gerações vindouras.

Luís Ermida

Fontes:
http://carnegieeurope.eu/strategiceurope/?fa=61119
http://www.euractiv.rs/vesti/8755-a-move-away-from-russia.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+euractiv%2Feaenglish+%28EurActiv+English%29
http://www.balkaninsight.com/en/article/serbia-goes-to-early-elections-03-02-2016
http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-17912583
http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-35933468


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