quarta-feira, 27 de abril de 2016

Os efeitos da crise doméstica na política externa do Brasil

            Como já se concluiu em matéria de política externa, não existem casos isolados no plano internacional. Num cenário tão globalizado como o que presenciamos hoje em dia, qualquer acontecimento político é manifestado enquanto resposta de um outro acontecimento  que, por sua vez, irá gerar uma própria reacção, ainda que seja intercalada entre o plano doméstico e o plano externo dos agentes políticos internacionais. O caso actual do Brasil não foge a esta regra. A imposição e o peso político do Brasil na política externa ultrapassa momentos de recessão na medida em que nos últimos anos tem sido afectada pela falta de coesão mínima em torno de projectos de desenvolvimento, demonstrando alguma falta de estratégia a longo prazo, e principalmente por todas as questões de crise interna e mais recentemente pela questão do impeachment. Nos últimos anos, foram bastantes os episódios em que a presidente Dilma Roussef cancelou ou encurtou viagens diplomáticas. Em 2013 foi cancelada uma viagem ao Japão devido às manifestações ocorridas pelo país inteiro. Em 2015 foi cancelada a sua presença na IV Cúpula América do Sul-Países Árabes, na Arábia Saudita, para evitar que Eduardo Cunha assumisse a Presidência, devido à ausência do Vice-Presidente Michel Temer, assim como o cancelamento da viagem ao Japão e ao Vietnam. No mês seguinte, encurtou sua visita à COP21, em Paris, devido ao episódio da prisão do senador Delcídio Amaral. Finalmente, em Abril deste ano cancelou a presença na Cúpula de Segurança Nuclear, em Washington, para evitar que Temer assumisse a Presidência.
            Com os cortes orçamentais ao Ministério de Relações Exteriores e todas as dívidas brasileiras a diversos organismos internacionais foi criada a Comissão Interministerial de Participação em Organismos Internacionais, para decidir sobre uma eventual saída do Brasil de certos órgãos, meramente por razões fiscais. Dilma convidou todos os cerca de cento e cinquenta embaixadores estrangeiros em Brasília para o evento do Encontro com Juristas pela Legalidade da Democracia, realizado em 22 de Março. Cerca de setenta estiveram presentes e testemunharam a defesa da própria Dilma Rousseff,embora tenha causado pouco impacto na comunidade internacional. Entretanto, com a crescente possibilidade do impeachment, alguns líderes internacionais manifestaram apoio ao governo de Dilma. Este último acontecimento pode estar relacionado com o facto do Brasil ser a principal âncora da democracia sul-americana. A sua atuação estabilizadora em contextos de crises políticas e económicas e nas construções multilaterais latino-americanas foi e continua a ser essencial. Assim ocorreu na Bolívia, em 2003 e 2006; na Venezuela, em 2003 e 2012, e na Argentina, em 2001. Este papel não está fundado numa relação de dominante e dominado, mas sim de interdependência democrática. O risco de fragilização do Estado de Direito em cada país da região afeta tanto o Brasil como vice-versa. Neste momento, esta dependência recíproca deveria ser reforçada pela própria região. Por isso mesmo é crucial que os governantes e os representantes de organismos multilaterais manifestem sua preocupação e apoiem o governo de Dilma. Neste cenário, mais do que nunca, o Brasil torna-se a peça central no jogo político-económico regional. Para além de desempenhar um papel responsável pelo sucesso destas iniciativas, o país é também o elo entre a integração latino-americana. É através do papel brasileiro que nos últimos anos, por exemplo, que se tornou possível a aliança entre os países latino-americanos e os BRICS, cujo principal efeito foi a criação do Acordo de Reservas de Contingencia e o Banco de Desenvolvimento dos BRICS-Celac.

João Mendes

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