Como
já se concluiu em matéria de política externa, não existem casos isolados no
plano internacional. Num cenário tão globalizado como o que presenciamos hoje
em dia, qualquer acontecimento político é manifestado enquanto resposta de um
outro acontecimento que, por sua vez,
irá gerar uma própria reacção, ainda que seja intercalada entre o plano
doméstico e o plano externo dos agentes políticos internacionais. O caso actual
do Brasil não foge a esta regra. A imposição e o peso político do Brasil na
política externa ultrapassa momentos de recessão na medida em que nos últimos
anos tem sido afectada pela falta de coesão mínima em torno de projectos de
desenvolvimento, demonstrando alguma falta de estratégia a longo prazo, e
principalmente por todas as questões de crise interna e mais recentemente pela
questão do impeachment. Nos últimos
anos, foram bastantes os episódios em que a presidente Dilma Roussef cancelou
ou encurtou viagens diplomáticas. Em 2013 foi cancelada uma viagem ao Japão
devido às manifestações ocorridas pelo país inteiro. Em 2015 foi cancelada a
sua presença na IV Cúpula América do Sul-Países Árabes, na Arábia Saudita, para evitar
que Eduardo Cunha assumisse a Presidência, devido à ausência do Vice-Presidente
Michel Temer, assim como o cancelamento da viagem ao Japão e ao Vietnam. No mês
seguinte, encurtou sua visita à COP21, em Paris, devido ao episódio da prisão
do senador Delcídio Amaral.
Finalmente, em Abril deste ano cancelou a presença na Cúpula de Segurança
Nuclear, em Washington, para evitar que Temer
assumisse a Presidência.
Com os cortes orçamentais ao
Ministério de Relações Exteriores e todas as dívidas brasileiras a diversos
organismos internacionais foi criada a Comissão Interministerial de
Participação em Organismos Internacionais, para decidir sobre uma eventual
saída do Brasil de certos órgãos, meramente por razões fiscais. Dilma convidou
todos os cerca de cento e cinquenta embaixadores estrangeiros em Brasília para
o evento do Encontro com Juristas pela Legalidade da Democracia, realizado em
22 de Março. Cerca de setenta estiveram presentes e testemunharam a defesa da
própria Dilma Rousseff,embora tenha causado pouco impacto na comunidade
internacional. Entretanto, com a crescente possibilidade do impeachment, alguns
líderes internacionais manifestaram apoio ao governo de Dilma. Este último
acontecimento pode estar relacionado com o facto do Brasil ser a principal
âncora da democracia sul-americana. A sua atuação estabilizadora em contextos
de crises políticas e económicas e nas construções multilaterais
latino-americanas foi e continua a ser essencial. Assim ocorreu na Bolívia, em
2003 e 2006; na Venezuela, em 2003 e 2012, e na Argentina, em 2001. Este papel
não está fundado numa relação de dominante e dominado, mas sim de
interdependência democrática. O risco de fragilização do Estado de Direito em
cada país da região afeta tanto o Brasil como vice-versa. Neste momento, esta
dependência recíproca deveria ser reforçada pela própria região. Por isso mesmo
é crucial que os governantes e os representantes de organismos multilaterais
manifestem sua preocupação e apoiem o governo de Dilma. Neste cenário, mais do
que nunca, o Brasil torna-se a peça central no
jogo político-económico regional.
Para além de desempenhar um papel responsável pelo sucesso destas iniciativas,
o país é também o elo entre a integração latino-americana. É através do papel
brasileiro que nos últimos anos, por exemplo, que se tornou possível a aliança
entre os países latino-americanos e os BRICS, cujo principal efeito foi a
criação do Acordo de Reservas de Contingencia e o Banco de Desenvolvimento dos
BRICS-Celac.
João Mendes
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