terça-feira, 5 de abril de 2016

Recambiados para a Turquia

A União Europeia tem-se deparado, na sequência dos conflitos na Síria provocados pelo radicalismo do auto-proclamado Estado Islâmico, com um cenário de migrações intensas no seu território. A denominada Crise dos Refugiados, a maior crise humanitária desde a II Guerra Mundial, desencadeou na europa uma série de opiniões e posições, muitas vezes antagónicas, por parte dos Estados-membros da U.E. A chegada de refugiados sírios ao território da União Europeia começou a dar-se em grande escala, sendo que as preocupações começaram a falar mais alto. Inicialmente a União Europeia abriu os braços para receber aqueles que fugiam da guerra na Síria, demonstrando assim os seus princípios de solidariedade e de defesa dos direitos humanos. Contudo, esta realidade não durou. As consequências do alojamento dos refugiados começaram a dar-se e a União Europeia começou a sentir dificuldades no processo de tomada de decisões face a esta questão tão problemática.
Sob proposta do presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker, a introdução do sistema de cotas foi a primeira medida adoptada pela União Europeia, dada a pesada invasão de que a Grécia foi alvo, tendo como objectivo a distribuição dos migrantes pelos países membros. Mostrando-se insuficiente visto que a chegada de migrantes ilegais ao território grego se manteve a União Europeia debateu-se com a necessidade de estudar uma nova estratégia que estivesse de acordo com a lei internacional e comunitária das Nações Unidas. Além disso, as diferentes posições dos Estados-membros relativamente a esta problemática tornou este processo mais complexo.
A Alemanha recebeu mais de um milhão de refugiados e a Merkel afirmou a necessidade da prossecução de uma política de solidariedade pelos parceiros europeus, continuando a acolher refugiados. Já a Bélgica defende a construção de campos de refugiados nas ilhas gregas para ser possível a triagem dos migrantes, tendo já acolhido milhares de refugiados, facto que tem vindo a destabilizar a sua política interna. Por outro lado, a Grécia cumpriu todos os compromissos assumidos com Bruxelas, exigindo agora o apoio dos seus parceiros europeus na recolocação dos milhares de refugiados que se encontram nas ilhas gregas, tendo afirmado o ministro-adjunto da Defesa, Dimitris Vitsas que “A Grécia honrou os seus compromissos, esperamos que os outros façam o mesmo. Vamos ver se a Europa quer manter a solidariedade ou passar a ser um espaço em que cada um se fecha no seu castelo”.
Perante este cenário os países da União Europeia viram-se obrigados a chegar a um acordo, na tentativa de encontrar uma solução comum. Em Fevereiro do presente ano a crise dos refugiados marcou o debate do Conselho Europeu em Bruxelas. Assim, apesar de difícil, a viu-se na Turquia uma potencial solução para bloquear a chegada dos migrantes às fronteiras externas da União Europeia, impedindo assim o aumento extraordinário do número de refugiados no território europeu e tentando conter o fluxo migratório no Mediterrâneo.
Desta forma, foi encontrado um acordo entre a Turquia e a União Europeia assente no principio de que todos os refugiados que entrarem ilegalmente na Grécia regressam à Turquia, segundo o comunicado divulgado pelo Conselho Europeu, onde se pode também ler que “Todos os novos migrantes ilegais que chegarem à Grécia da Turquia para as ilhas gregas, a partir de 20 de março de 2016, serão devolvidos à Turquia. Tal [será feito] em plena conformidade com a legislação comunitária e internacional, excluindo, assim, qualquer tipo de expulsão coletiva. No entanto, para confirmar tal acordo a União Europeia aumentou a ajuda financeira para os refugiados sírios e a Turquia deverá evitar a abertura de rotas ilegais de imigração e cumprir as leis internacionais.
Assim, o acordo realizado faz com que se estabeleça uma relação de compromisso entre a União Europeia e a Turquia. A União Europeia encontrou no território turco um local pertinente para serem recebidos os migrantes ilegais salvaguardando assim os interesses dos seus Estados-membros. Para a Turquia este compromisso pode significar alguma espécie de aproximação dos interesses e princípios da União Europeia. As negociações entre a União Europeia e a Turquia são, de facto, um momento único na história. Apesar de estar longe de ser concretizada a adesão da Turquia à União Europeia, este acordo pode representar um novo estímulo nas negociações relativas a essa adesão. Apesar do acordo relativo aos refugiados e as negociações sobre a adesão serem questões distintas podem muito bem influenciar-se mutuamente.
Esta estratégia adoptada pela U.E ainda suscita dúvidas a muitos Estados-membros dada a complexidade do problema em causa. Contudo, os primeiros refugiados ilegais que chegaram às ilhas gregas já foram recambiados para a Turquia de forma pacífica. Assim, a Turquia apresenta-se agora como uma espécie de depósito de migrantes que a União Europeia não pode acolher.
Duas questões permanecem: Será esta uma solução apropriada para a dimensão do problema? E será que tal estratégia respeita as leis dos direitos humanitários das Nações Unidas? No que diz respeito à primeira questão, apenas o tempo poderá responder. No entanto, parece-me pouco provável que esta seja uma solução duradoura e adequada, tendo em conta a posição estratégica da Turquia e o perigo que tal posição pode representar para a União Europeia. Além disso, Maria João Rodrigues, eurodeputada socialista, defende que apenas a Europa pode fornecer uma solução para a crise dos refugiados e que “A solução turca não é uma solução consistente, a prazo. A Europa não pode transferir para a Turquia, uma solução que só a Europa pode fornecer. Trata-se de assumirmos de uma vez por todas aquilo a que se deve chamar soberania europeia. Estamos a falar de uma verdadeira fronteira europeia, capaz de proteger Schengen, com padrões humanitários”, defendendo assim que a União Europeia tem capacidade para acolher os refugiados sírios, não havendo necessidade de os deportar para a Turquia.
Já no que respeita ao cumprimento dos direitos humanos muitos analistas defendem que esta solução não é válida e que viola os princípios de direitos humanos da ONU: “a expulsão colectiva de estrangeiros é proibida pela convenção europeia dos direitos humanos”. Desta forma, também o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi afirmou que a solução adoptada pela União Europeia viola os preceitos da lei internacional e humanitária.
Já para não falar da ameaça à dignidade, à vida, à integridade dos migrantes que fogem da guerra, da perseguição e da perversidade das acções do Estado-Islâmico! A União Europeia tem capacidade de resposta para este problema, basta que se organize perante uma solução comum, dando voz aos princípios de cooperação e solidariedade em que se baseia e ao respeito pelos direitos humanos.


Mariana Dinis


- Falcão, Catarina – “União Europeia. Quem quer o quê para resolver a crise dos refugiados?”- (2016) Disponível em http://observador.pt/especiais/uniao-europeia-quer-resolver-crise-dos-refugiados/. (Data de Acesso 5 de Abril de 2016)
- Martins, Nuno André – “União Europeia chega a acordo com a Turquia sobre o mecanismo de refugiados” – (2016) Disponível em http://observador.pt/2016/03/18/europa-chega-acordo-turquia/. (Data de Acesso 5 de Abril de 2016)
- Siza, Rita - “Acordo sobre fluxo de refugiados entre a UE e a Turquia é ‘uma não solução’” – (2016) Disponível em https://www.publico.pt/mundo/noticia/ue-e-turquia-mais-perto-de-um-acordo-sobre-fluxo-de-refugiados-1725513. (Data de Acesso 5 de Abril de 2016) 


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