sábado, 9 de abril de 2016

Sim ou não?

   
   Como é do conhecimento de todos nós e seguindo a ideia de Robert Toulemon, a Europa é um continente, um conjunto de nações e de povos, sendo também o berço da civilização do mundo moderno. Trata-se de uma ideia política e de um grande desígnio de audácia e dificuldades: unir pacificamente povos outrora inimigos, onde o passado é mais rico em conflitos do que em cooperação.
   Após a II Guerra Mundial a ideia europeia encontrou o seu verdadeiro renascimento, pois encontrou as condições propícias ao seu desenvolvimento e consolidação, nomeadamente as condições políticas, económicas e militares que possibilitaram o nascimento do projeto comunitário europeu. Destaque-se que o ambiente do pós-guerra era o da Europa do Nada, um espaço vazio e sem força militar, económica e ideológica.
   Winston Churchill teve um papel decisivo no renascimento da ideia europeia e tendo em conta a sua afirmação de que a cortina de ferro se abatia sobre a Europa, Churchill decidiu participar nos movimentos europeus e fazer campanha a favor da unificação europeia. Porém, no que toca ao Reino Unido em relação à Europa, este afirmou que “nós estamos com a Europa, mas não somos da Europa”. Para Winston, o Reino Unido não necessitava de integrar os Estados Unidos da Europa, pois mantinha excelentes relações com os Estados Unidos e com os países da Commonwealth e porque não queria participar em qualquer estrutura que limitasse a sua soberania. Tendo isto em mente percebe-se o porquê do Reino Unido ter criado a EFTA – Associação Europeia do Comércio Livre. Pelo facto de a EFTA poder desagregar-se o Reino Unido apresentou o seu pedido de adesão às Comunidades Europeias em 1961. O General Charles De Gaulle vetou por duas vezes a entrada deste país nas Comunidades Europeias, tendo só se tornando membro em 1973. Suportando-se na força da libra, recusou-se a adotar a moeda única europeia, o euro, nem aceitou integrar o Acordo de Schengen. Como podemos verificar o Reino Unido adotou uma diplomacia económica e que em relação ao objetivo do bem-estar várias foram as estratégicas de comércio externo, acordos comerciais e participação em organizações multilaterais.
   O Reino Unido voltou a estar debaixo dos holofotes pois os líderes europeus estão a tentar chegar a acordo para reformar um novo contexto do relacionamento entre o Reino Unido e a União Europeia, ou seja, a saída do Reino Unido da Europa – Brexit (termo que junta as palavras British e exit). O Conselho Europeu concordou em encontrar soluções satisfatórias relativamente à competitividade, gestão económica, benefícios sociais/livre circulação de europeus e soberania. Tendo em conta que os dirigentes políticos procuram o apoio da população, mas também o apoio dos públicos estrangeiros de outros países, foi proposta a realização de um referendo. Este inicialmente estava marcado para o final de 2017, mas poderá acontecer já em junho. Uma sondagem realizada pelo The Times indicava que 45% dos britânicos iriam votar pela saída da União Europeia contra 36%. Uns dias antes, uma outra sondagem da YouGov dava 42% a favor do Brexit e 38% pela continuidade.
   O primeiro-ministro britânico declarou que a União Europeia necessita de mais flexibilidade para respeitar quem está dentro e quem está fora da zona euro e que quem deseja mais integração económica e política e quem, como o Reino Unido, nunca terá esse objetivo, temos de ser honestos: o compromisso face ao tratado que defende uma União cada vez mais profunda não deve continuar a aplicar-se à Grã-Bretanha.
   David Cameron considerou as propostas de Donald Tusk um verdadeiro progresso, mas ressalvou que ainda há trabalho por fazer. À luz deste documento, o Reino Unido não se compromete a mais integração política e que, em matéria de soberania, os parlamentos nacionais poderão, sobre certas condições, bloquear propostas legislativas comunitárias que contrariam os interesses nacionais. O tal sistema de cartão vermelho. A proposta apresentada também proíbe qualquer tipo de discriminação contra empresas ou pessoas que não utilizem o euro como moeda. A proposta mais polémica é a de excluir, durante quatro anos, os trabalhadores de outros países da União das ajudas destinadas a complementar o salário dos trabalhadores pobres. Portugal é um dos países que rejeita a medida. Londres quer impedir que os cidadãos europeus que não sejam britânicos recebam o abono de família quando os filhos residem no país de origem. A proposta de Tusk faz uma concessão em matéria de soberania ao propor um sistema de travão legislativo. A medida visa autorizar os parlamentos nacionais a interromper projetos de lei europeus, desde que a iniciativa de bloqueio seja aprovada por 55% dos 28 parlamentos nacionais. A proposta exclui o direito de veto londrino sobre as decisões relativas à zona euro, mas, reconhece que os países que não adotaram o euro estão dispensados de obrigações orçamentais, nos casos em que forem adotadas medidas de urgência para garantir a estabilidade da zona euro.
   O artigo 50 do Tratado de Lisboa, de 2009, desenha o processo de retirada. Se o Reino Unido votar a favor de sair da União Europeia, o primeiro-ministro David Cameron notificará de imediato a Comissão Europeia da intenção de retirada. De seguida, iniciar-se-iam as negociações dos trâmites para a saída do Reino Unido e para as suas futuras relações com os restantes 27 membros. Os líderes dos restantes membros da União Europeia e o Parlamento Europeu deverão chegar a acordo de implementação. Isto pode ainda requerer ratificação pelos parlamentos nacionais. O Reino Unido não fará parte das conversações do lado da União Europeia e não será ouvido nos termos finais oferecidos. Os tratados da União Europeia terão de ser alterados, no sentido de dar um novo estatuto ao Reino Unido. Por fim, o Reino Unido poderá ter de preparar nova legislação nacional. A OMC pode vir a ser a rede de segurança do Brexit, pois se o país não obtiver um acordo de comércio livre com a UE, o Reino Unido volta às regras da OMC.
   Vejamos algumas das especulações que têm sido feitas acerca da saída do Reino Unido e das possíveis consequências que certamente afetarão o país e os restantes Estados-membros.
   Nick Clegg, líder dos liberais, afirmou que a União Europeia devia aprender a fazer as coisas de forma menos complicada e menos espalhafatosa, defendendo que nunca poderia fazer parte de um Governo que apoiasse a saída da União Europeia. O apoio do conservador Boris Johnson ao Brexit fez crescer o medo da saída da Grã-Bretanha do grupo dos 28.
   “Eu não quero que o Reino Unido saia da União Europeia, mas não quero que a União Europeia tenha uma liderança exclusivamente britânica”, afirmou Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, acrescentando que a saída da Grécia seria apenas uma desculpa para o mundo anglo-saxão destruir o projeto europeu.
   O primeiro-ministro britânico considera que a saída do Reino Unida da União Europeia representa uma autodestruição económica e política e que poderá prejudicar as empresas dos setores de serviços e metalúrgico. Cameron sustenta que o corte do vínculo com Bruxelas afetará o sector britânico dos serviços e não beneficiará o sector do aço, que atravessa uma crise profunda depois do gigante indiano da metalurgia Tata Steel ter anunciado a venda dos seus negócios no Reino Unido. Cameron sublinhou que o Brexit pode abalar o sector automóvel ou o das telecomunicações que operam com a UE, uma situação que pode ter consequências negativas para os empregos e o nível de vida da população.
   O Ministro das Finanças alemão instigou que o Reino Unido deveria continuar na Europa, alertando para o facto de que a UE poderá ficar mais instável e menos competitiva caso decidam avançar com a saída. Wolfgang Schauble relembrou que este país contribui para a União Europeia com os seus conhecimentos de política externa e de segurança e que se trata de uma força que aumenta a competitividade do bloco e fortalece o mercado único, acrescentando ainda o facto de não querer perder um aliado na luta da redução das regras e regulamentos desnecessários.
   O Ministro das Finanças britânico, George Obsorne, defendeu que a saída do Reino Unido da UE será um grande erro numa altura de instabilidade geopolítica e de riscos colocados pelos desenvolvimentos russos, norte-africanos e médio-orientais.
   Após os encontros bilaterais de Osborne em Pequim, o porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, afirmou que “sempre apoiamos o processo europeu de integração e esperamos ver a União Europeia a desempenhar um papel mais importante a nível internacional. Esperamos também que o Reino Unido e a UE possam tratar esta importante questão”.
   Alguns economistas estimam que a saída do Reino Unido da União Europeia seria um choque para a economia global. A chefe do FMI, Christine Lagarde, declarou que a saída do Reino Unido da União afetaria a fluidez das trocas.
   O presidente do grupo Airbus alertou para a perda de postos de trabalho e os enormes riscos económicos que um Brexit pode provocar. A decisão de deixar a UE colocaria em questão futuros investimentos de longo prazo no país, embora a empresa necessite de tempo caso decida transferir as operações do Reino Unido para outro país.
   O primeiro-ministro António Costa manifestou que a permanência do Reino Unido na União Europeia é muito importante e que Portugal quer evitar o Brexit. O chefe de Governo português não aceita discriminações nos benefícios sociais a crianças nem a quem está fora do âmbito da moeda única vete decisões tomadas pelos membros da zona euro.
   O referendo acerca da permanência do Reino Unido na União Europeia dominou a reunião do G20, isto porque Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, declarou que o tema apareceu nas discussões logo que as reuniões começaram. O G20 alertou para os riscos que a possível saída do Reino Unido da União Europeia representa para a economia mundial. Nesta reunião, George Obsorne pressionou os parceiros a integrarem no comunicado final um alerta para as consequências do Brexit.
   O medo da saída do Reino Unido da União Europeia fez com que a libra tenha tido a maior queda desde 2009. Só este ano, a libra desceu mais de 4% face à moeda norte-americana.
   Atualmente, mais de três milhões de postos de trabalho no Reino Unido estão dependentes da relação com a União Europeia e as exportações do país para os Estados-membros valem entre 10 a 15 mil milhões de libras por mês. Um estudo aponta que a saída do Reino Unido causará a redução das exportações e tornará mais caras as suas importações, diminuindo assim o investimento e a inovação no país. As perdas do Reino Unido no seu produto interno bruto poderiam chegar a 14% na primeira década. Pelo menos 330 mil postos de trabalho na Escócia dependem do mercado único e é por isto que a Escócia está contra o referendo. Caso o referendo avance, a Escócia tentará aprovar legislação para que nenhuma parte do Reino Unido saia da União contra a sua vontade e proporão uma dupla maioria, o que significa que a não ser que a Inglaterra, a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte votem para sair, o Reino Unido terá de continuar na União Europeia.
   Um dos países mais afetados será a Alemanha, o maior parceiro comunitário do Reino Unido quer em exportações quer em importações. O país pode vir a perder até 0,3% do PIB, mas algumas indústrias perderiam muito mais, sendo que seria o setor automóvel que poderia perder até 2% com o decréscimo de trocas comerciais com o Reino Unido. O SPD declarou que aguarda uma vitória dos trabalhistas de modo a que a saída do Reino Unido “morra de vez”.
   Segundo o relatório da Open Europe, a saída do Reino Unido faria com que este tivesse de abrir a sua economia ao comércio com os Estados Unidos (maior parceiro comercial), Índia, China e Indonésia, no entanto, esta abertura poderia ter efeitos negativos já que os britânicos se deparariam com novos níveis de concorrência a padrões de trabalho e produção muito diferentes. O relatório aponta que sair da UE implicaria uma política mais dinâmica de imigração de trabalhadores e não fechar as fronteiras, como o UKIP propõe.
   À medida que avança a campanha pelo referendo fica claro que os que defendem a saída da Europa estão a convidar os britânicos a tomar uma decisão insólita, que é a de serem a primeira economia que elege de forma deliberada uma relação comercial mais restritiva, de segunda categoria, com um mercado maior, afirmou David Cameron.
   De acordo com os resultados da sondagem, 48% dos britânicos considera que Cameron, forte apoiante da manutenção do Reino Unido no bloco europeu, não terá legitimidade para continuar a governar se a sua estratégia sair furada. 44% dos inquiridos defende que o atual primeiro-ministro deve permanecer em funções perante esse cenário. Para já, Cameron mantém que não abandonará o poder se o referendo ditar o divórcio com o bloco europeu. Muitos analistas estão a antecipar que haverá movimentos dentro do partido para substituir o primeiro-ministro se a Brexit vencer ou se vencer a permanência mas por uma curta margem de votos.
   Como podemos ver as fontes domésticas da política externa, como por exemplo as necessidades socioeconómicas, a cultura nacional, a estrutura e filosofia de governo/sistema político, a comunicação social e a opinião pública influenciam as decisões de política externa. Por isso podemos afirmar que o contexto doméstico e externo influenciam-se mutuamente e afetam o processo de decisão da política externa. Neste caso a escolha e consequente formulação da política Externa releva que as escolhas não são consensuais, pois estas são feitas tendo em conta as prioridades e a seleção de meios para as implementar, sendo que o apoio dos cidadãos quer na formulação quer depois da execução da política externa é fulcral. Também o recurso à diplomacia está no seu auge, destacando-se a diplomacia direta ou pessoal. É certo que a incerteza quanto aos custos e benefícios estão a complicar o processo de decisão, mas será que a estratégia (utilização ótima dos meios que dispõe ou que pode conseguir o todo nacional para realizar os fins propostos) do Reino Unido é suficiente para “sobreviver” à saída da União Europeia?

Sara Correia, n.º 216287

Fontes:
http://www.dn.pt/mundo/interior/saida-do-reino-unido-da-uniao-europeia-seria-motivo-para-chorar-diz-schauble-5060025.html, 9 de abril de 2016
http://www.dn.pt/dinheiro/interior/aviso-brexit-e-um-risco-para-a-economia-mundial-5051285.html, 9 de abril de 2016
http://pt.euronews.com/2016/02/26/brexit-domina-inicio-da-reuniao-do-g20/, consultado a 9 de abril de 2016
http://expresso.sapo.pt/internacional/2016-04-05-Cameron-diz-que-Brexit-seria-a-autodestruicao-economica-e-politica-do-Reino-Unido, consultado a 9 de abril de 2016
Toulemon, Robert (1999), La Construction Européene – Histoire, Acquis, Perspectives, Paris, LGF/Livre de Poche
Soares, Andreia Mendes (2005), União Europeia : que modelo político ?, Lisboa, ISCSP

Sem comentários:

Enviar um comentário