sábado, 2 de abril de 2016

Um Relacionamento Estagnado

    As variações de posicionamento da Turquia face às outras potências ocidentais que se têm verificado ao longo da história têm sido um factor importante no impasse que se verifica actualmente no processo de adesão deste país à União Europeia.
    No período do Império Otomano assistiu-se à predominância de uma política externa ofensiva, orientada para a expansão e consolidação territorial. Esta linha de orientação durou até à criação da Turquia como estado independente, altura em que se verifica uma viragem para uma política de neutralidade, que se constatou pela relutância assumida pelos líderes políticos de então sobre a participação na 2º guerra mundial e a tentativa de estabelecimento de acordos de amizade e cooperação com os países vencedores da primeira guerra que tinham reconhecido a sua independência, o que se explica pela situação de debilidade económica e militar que o país vivia.
    Nos dias de hoje, parece existir uma tendência de viragem a oriente de toda a política externa turca, que se tem acentuado desde a chegada do AKP( Partido da Justiça e Desenvolvimento) ao poder em 2002, encabeçada pelo primeiro-ministro Erdogan que procura utilizar todos os meios legais ao seu alcance para reforçar o seu poder no sistema político. A produção legislativa efectuada tem reforçado a regulamentação da vida social no sentido de promover a Islamização da Turquia, muitas vezes adoptando práticas que colocam em causa os direitos humanos. Esta situação tem bloqueado o processo de adesão à UE e deu aso á criação de um processo moroso de negociação, dado que a existência de um regime democrático é um requisito fundamental para a obtenção do estatuto de país candidato à adesão e pode-se afirmar que neste capítulo ainda à muito a fazer para melhorar as condições de admissão deste país.
    Os conflitos com os seus vizinhos mais próximos são um exemplo da forma como as disputas territoriais constituem problemas por resolver na política externa Turca, colocando obstáculos nas negociações com a UE. Os principais conflitos territoriais neste momento têm como intervenientes a Grécia e o Chipre, países nos quais a Turquia reclama águas territoriais e uma redefinição das plataformas continentais, como é o caso das ilhas do mar Egeu.
    Neste momento parece existir uma espécie de jogo duplo por parte dos líderes políticos turcos, como é o caso do presidente Erdogan que afirma habitualmente nos seus discursos o seu empenho na construção da democracia e defesa dos direitos fundamentais, apesar da prática política demonstrar contradições ao discurso oficial, como se pode observar na recepção que foi feita ao líder do Hamas Khaled Mashal, situação vista com desconfiança por parte da comunidade internacional.
    Neste sentido, pode-se inferir que a aproximação da Turquia ao Médio Oriente não significou um afastamento da EU, devido ao fenómeno de europeização que se verificou neste país, o que pode ser entendido como um processo segundo o qual o país se preparou para absorver o acervo da União, procurando institucionalizar um conjunto de regras formais e procedimentos políticos que são definidos nas políticas comunitárias, de forma a absorver melhor o acervo da União.Com a sua relevância como actor internacional a expandir-se a um ritmo crescente, uma eventual adesão à EU poderia ser uma mais valia para as duas partes e resolver dois problemas fundamentais que se colocam nesta relação, a questão da segurança energética e a crise dos refugiados. Quanto ao primeiro aspecto refira-se que as interdependências económicas regionais se mantiveram até hoje, pelo que a política externa promovida pelo AKP não parece apresentar uma ruptura total com o passado, visto que apesar da cooperação diplomática e económica com o Iraque, a Síria e o Irão apresentar profundos desenvolvimentos de forma a assegurar o abastecimento energético do país em termos de fornecimento de gás e petróleo, continua a existir um esforço crescente de aproximação à UE, apesar da atitude de descomprometimento para com os valores europeus tomada pelo AKP.No que diz respeito á crise dos refugiados torna-se evidente aquela que foi efectivamente a maior ruptura com o passado na política externa turca, a aposta crescente no reforço do SoftPower e a utilização a diplomacia como forma de resolução de conflitos têm caracterizado uma forma de actuação nas Relações Internacionais semelhante à da UE, tal como se pode verificar na recente cimeira sobre o problema dos refugiados que decorreu em Março deste ano e na qual foi negociado um plano de acção para fazer face a este problema.
    Assim, parece-me que muitas vezes o fraccionamento de posições em matérias que envolvem a sociedade internacional ocorre com mais frequência entre a Turquia e os EUA, que apesar de serem países aliados têm demonstrado divergências em algumas decisões tomadas na política internacional, como foi o caso da invasão do Iraque que constituía um foco de insegurança a sul da Turquia, entre outras situações bélicas que ameaçam a segurança dos territórios deste país.
    Em suma, pode-se afirmar que uma eventual adesão turca à EU traria benefícios para ambos os lados, uma vez que permitiria à UE aumentar sua influência nas questões de política externa do Médio Oriente, alcançando uma maior estabilidade política nesta região e, por outro lado, garantir à Turquia um maior controlo sobre as questões de segurança nacional como as migrações e o terrorismo. O impasse que se verifica actualmente nas negociações entre estas duas entidades parece ser provocado não tanto por um fundamentalismo islâmico enraizado na sociedade turca que gere uma visão antiocidental do mundo (Até porque estudos recentes demonstram uma preferência maioritária da opinião pública pelo secularismo), mas sim pela forma como os EUA estão a conduzir a sua política externa no Médio Oriente e o descontentamento das populações face à forma como o processo de adesão está a ser conduzido pelos líderes políticos.

Tomás Simão




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