As variações de
posicionamento da Turquia face às outras potências ocidentais que se têm
verificado ao longo da história têm sido um factor importante no impasse que se
verifica actualmente no processo de adesão deste país à União Europeia.
No período do Império
Otomano assistiu-se à predominância de uma política externa ofensiva, orientada
para a expansão e consolidação territorial. Esta linha de orientação durou até
à criação da Turquia como estado independente, altura em que se verifica uma
viragem para uma política de neutralidade, que se constatou pela relutância
assumida pelos líderes políticos de então sobre a participação na 2º guerra
mundial e a tentativa de estabelecimento de acordos de amizade e cooperação com
os países vencedores da primeira guerra que tinham reconhecido a sua
independência, o que se explica pela situação de debilidade económica e militar
que o país vivia.
Nos dias de hoje, parece
existir uma tendência de viragem a oriente de toda a política externa turca,
que se tem acentuado desde a chegada do AKP( Partido da Justiça e
Desenvolvimento) ao poder em 2002, encabeçada pelo primeiro-ministro Erdogan
que procura utilizar todos os meios legais ao seu alcance para reforçar o seu
poder no sistema político. A produção legislativa efectuada tem reforçado a
regulamentação da vida social no sentido de promover a Islamização da Turquia,
muitas vezes adoptando práticas que colocam em causa os direitos humanos. Esta
situação tem bloqueado o processo de adesão à UE e deu aso á criação de um
processo moroso de negociação, dado que a existência de um regime democrático é
um requisito fundamental para a obtenção do estatuto de país candidato à adesão
e pode-se afirmar que neste capítulo ainda à muito a fazer para melhorar as
condições de admissão deste país.
Os conflitos com os seus
vizinhos mais próximos são um exemplo da forma como as disputas territoriais
constituem problemas por resolver na política externa Turca, colocando
obstáculos nas negociações com a UE. Os principais conflitos territoriais neste
momento têm como intervenientes a Grécia e o Chipre, países nos quais a Turquia
reclama águas territoriais e uma redefinição das plataformas continentais, como
é o caso das ilhas do mar Egeu.
Neste momento parece
existir uma espécie de jogo duplo por parte dos líderes políticos turcos, como
é o caso do presidente Erdogan que afirma habitualmente nos seus discursos o
seu empenho na construção da democracia e defesa dos direitos fundamentais,
apesar da prática política demonstrar contradições ao discurso oficial, como se
pode observar na recepção que foi feita ao líder do Hamas Khaled Mashal,
situação vista com desconfiança por parte da comunidade internacional.
Neste sentido, pode-se
inferir que a aproximação da Turquia ao Médio Oriente não significou um
afastamento da EU, devido ao fenómeno de europeização que se verificou neste
país, o que pode ser entendido como um processo segundo o qual o país se
preparou para absorver o acervo da União, procurando institucionalizar um
conjunto de regras formais e procedimentos políticos que são definidos nas
políticas comunitárias, de forma a absorver melhor o acervo da União.Com a sua
relevância como actor internacional a expandir-se a um ritmo crescente, uma
eventual adesão à EU poderia ser uma mais valia para as duas partes e resolver dois
problemas fundamentais que se colocam nesta relação, a questão da segurança
energética e a crise dos refugiados. Quanto ao primeiro aspecto refira-se que
as interdependências económicas regionais se mantiveram até hoje, pelo que a
política externa promovida pelo AKP não parece apresentar uma ruptura total com
o passado, visto que apesar da cooperação diplomática e económica com o Iraque,
a Síria e o Irão apresentar profundos desenvolvimentos de forma a assegurar o
abastecimento energético do país em termos de fornecimento de gás e petróleo,
continua a existir um esforço crescente de aproximação à UE, apesar da atitude
de descomprometimento para com os valores europeus tomada pelo AKP.No que diz
respeito á crise dos refugiados torna-se evidente aquela que foi efectivamente
a maior ruptura com o passado na política externa turca, a aposta crescente no
reforço do SoftPower e a utilização a
diplomacia como forma de resolução de conflitos têm caracterizado uma forma de
actuação nas Relações Internacionais semelhante à da UE, tal como se pode
verificar na recente cimeira sobre o problema dos refugiados que decorreu em
Março deste ano e na qual foi negociado um plano de acção para fazer face a
este problema.
Assim, parece-me que
muitas vezes o fraccionamento de posições em matérias que envolvem a sociedade
internacional ocorre com mais frequência entre a Turquia e os EUA, que apesar
de serem países aliados têm demonstrado divergências em algumas decisões
tomadas na política internacional, como foi o caso da invasão do Iraque que
constituía um foco de insegurança a sul da Turquia, entre outras situações
bélicas que ameaçam a segurança dos territórios deste país.
Em suma, pode-se afirmar
que uma eventual adesão turca à EU traria benefícios para ambos os lados, uma
vez que permitiria à UE aumentar sua influência nas questões de política
externa do Médio Oriente, alcançando uma maior estabilidade política nesta
região e, por outro lado, garantir à Turquia um maior controlo sobre as
questões de segurança nacional como as migrações e o terrorismo. O impasse que
se verifica actualmente nas negociações entre estas duas entidades parece ser
provocado não tanto por um fundamentalismo islâmico enraizado na sociedade
turca que gere uma visão antiocidental do mundo (Até porque estudos recentes
demonstram uma preferência maioritária da opinião pública pelo secularismo),
mas sim pela forma como os EUA estão a conduzir a sua política externa no Médio
Oriente e o descontentamento das populações face à forma como o processo de
adesão está a ser conduzido pelos líderes políticos.
Tomás Simão
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