terça-feira, 3 de maio de 2016

Cessar-fogo Sírio: Going, Going…. Gone

   E assim é. O cessar-fogo acabou. Podemos acusar tanto o Governo Sírio como a Oposição Síria, mas não podemos acusar apenas um deles. Aleppo sofre os PIORES dias dos últimos 5 anos. É o caos. A única zona no qual o cessar-fogo se encontra ainda em vigor é na zona de Dara’a (sul da Síria), havendo apenas combates com afiliados do ISIL, na zona de fronteira de facto Síria com a de jure Síria dos Montes Golan, ocupados por Israel.
   Staffan De Mistura, o enviado especial da ONU para o processo de paz da Síria, tem tentado dialogar com as partes, incluindo os seus apoiantes internacionais (ainda hoje vai-se encontrar com Sergei Lavrov), com o objectivo de restaurar o cessar-fogo. Não é impossível, seria até mesmo desejável, incluindo à Rússia, que junto com os EUA, se encontram juntos num esforço de tentar separar as forças moderadas das forças mais extremistas, nomeadamente a Jabhat al-Nusra (de acrescentar, que tendo em conta a configuração e alianças das forças opositoras ao regime de Bashar al-Assad, se trata de um esforço Hercúleo). No entanto é difícil, dando ambas as partes beligerantes a aparência (ou será certeza?) de que estão a descarregar a frustração que não puderam descarregar durante o cessar-fogo.
   Mas como se resolve esta guerra? Como podemos passar “Going, Going… Gone” para “Holding, Holding, Holding” ? Conforme escrevi num anterior artigo sobre o cessar-fogo que na altura, tinha acabado de entrar em vigor, há apenas uma solução, solução essa que é política. Mas essa solução é extremamente difícil de alcançar. E não há NENHUM cessar-fogo que aguente se não houverem notáveis progressos nas negociações políticas.
   Há várias questões que dividem ambas as partes. Mas algumas das mais importantes são:
  1. O futuro do Presidente Bashar al-Assad
  2. A questão Curda
   E, não sendo uma questão mas antes uma condicionante, é aquilo que os Estados que apoiam as partes do conflito, pretendem. E tal reflecte-se nas duas questões acima enunciadas.
   O futuro de Assad é a que salta mais aos olhos: Tanto o regime Sírio como a Rússia e o Irão (ainda mais que a Rússia) pretendem que Assad, visto como o Presidente “legítimo”, fique no cargo e possa concorrer a eventuais eleições supervisionadas pela ONU. Já a Oposição Síria e os seus apoiantes internacionais (EUA, Arábia Saudita, UE, etc) pretendem a saída de Assad, ou no máximo, a sua manutenção no cargo, sem poderes militares, durante o período de manutenção e sem se poder candidatar ao cargo (ou a qualquer outro) novamente.
   A questão Curda, está mais ligada à Turquia. A Turquia não pretende ver uma região no Norte da Síria com autonomia que possa “fazer inveja” aos Curdos que vivem no Sul da Turquia, temendo uma insurgência maior do que a causada pelo PKK e a concretização das aspirações autonómicas/independentistas do Sul Curdo. Assim, a Turquia, com sucesso, impediu que o PYD (Partido que representa o Governo do Curdistão Sírio) participasse nas negociações de paz de Genebra, apesar destes representaram entre 15-20% do território e vários milhões de habitantes, incluindo muitos refugiados não apenas da Síria, mas do Iraque também. A estratégia Turca na Síria destinada a este efeito também se pode verificar com o apoio a vários grupos que, por consequência, são hostis aos Curdos Sírios e também à relutância em ajudar a lutar contra o ISIL (e tendo desempenhado um papel FULCRAL no sucesso que este grupo terrorista teve), preferindo ter uma fronteira com o ISIL do que com os Curdos. Além da Turquia e da Oposição Síria, também o regime Sírio não pretende ver uma região Curda autónoma. Talvez o sinal mais importante disto é a relutância em retirar as tropas que ainda tem em Qamishlo e Hasakah, no Nordeste da Síria, apesar da “fricção” com os Curdos que inclusivamente já resultou em combates (como aconteceu no mês de Abril de 2016).
   Mas há várias questões e exigências além dessas. Por exemplo, a Oposição Síria exige a libertação de mais de 65.000 homens, mulheres e crianças que o regime tem indo prendendo desde que a guerra começou em 2011, algo que ainda não aconteceu.
   Para ter uma noção da complexidade da guerra da Síria, da dificuldade em fazer paz e dos interesses internacionais, voltemos ao inicio de Fevereiro de 2016, algumas semanas antes do cessar-fogo.



   Observando o mapa acima, foquemo-nos na zona verde acima de Aleppo, e assinalada com um circulo a vermelho. Nessa zona, no tal inicio de Fevereiro, houve combates entre as forças curdas, que são aliadas dos Estados Unidos, e as forças rebeldes, várias das quais são aliadas dos Estados Unidos. E como se não bastasse, a Turquia, aliada dos Estados Unidos, atacou com artilharia, os Curdos. Esta é a complexidade da Guerra Síria.
   E mais um exemplo: Em Março os rebeldes daquela zona marcada no mapa, lançaram uma ofensiva contra o ISIL com apoio da Turquia e dos EUA, com o objectivo da Turquia de demonstrar aos EUA que não é preciso apoiar os Curdos para derrotar o ISIL. Resultado? Em pouco tempo, o que esses rebeldes capturaram, é recapturado pelo ISIL. E aqui vamos ao importante que queria ilustrar com este exemplo: Com o ISIL a avançar e a ameaçar o que de mais importante esses rebeldes detêm no Norte da Síria (Azaz e Mare’), o que fazem esses rebeldes? “Decidem” gastar  recursos humanos e materiais a atacar os Curdos que estão do lado geograficamente oposto ao do ISIL. Por certo, alguma sabedoria táctica que os maiores tácticos da História nunca conseguiram muito bem compreender.
   Aquilo que é hoje, poderá não ser amanhã.  Essa é uma lição que esta guerra nos dá. Os rebeldes e o ISIL já foram irmãos de armas, contra o regime de Assad. Hoje são inimigos. O regime de Assad também cooperou com o ISIL, retirando de zonas estratégicas de modo a permitir o avanço do ISIL contra os rebeldes (De notar ainda que o ISIL assume-se como ISIL em 2013 e só cerca de 1.5 anos após isso, é que as forças do Regime começam realmente a combater). Hoje são inimigos. Isto ainda que o inimigo mortal da Oposição Síria seja Assad, e o do regime Sírio, seja a Oposição Síria, sendo o ISIL quase que como uma “distracção”.  A al-Nusra, al-Qaeda na Síria, foi levada à Síria pela mão do então ISI – Islamic State of Iraq, hoje conhecido como ISIL. Mas a al-Nusra recusou juntar-se ao ISIL e manteve-se fiel à al-Qaeda. O que impede isso de mudar de novo?
   Quanto mais rápido a situação for resolvida, melhores as hipóteses de evitar que coisas ainda piores do que já há, aconteçam e apareçam.
   Não há inocentes nas partes beligerantes desta guerra, não há atribuir crimes de guerra apenas a um lado. Assad é, de longe, o maior criminoso desta guerra, seja pelos crimes que cometeu no decurso da guerra, seja pelo crime que cometeu ao manter-se no poder, atacar os seus cidadãos que inicialmente nem pediam a sua demissão. Foi o regime que começou a guerra. Mas a Oposição Síria não é isenta. Não se deve cair na tentação de catalogar a Oposição Síria como meramente terrorista ou aliada a grupos terroristas devido às suas ligações à al-Qaeda e, anteriormente, ao ISIL. Esse argumento seria uma faca de dois gumes, uma vez que as acções do regime Sírio se podem classificar de terroristas e, não devemos esquecer que anos antes da guerra (e tal teve consequências na guerra), Assad apoiou jihadistas que usavam o leste da Síria (Deir ez-Zor) para atacar as forças Iraquianas e Americanas no Iraque. Como disse, não há inocentes, mas há hipócritas.
   É de repetir até à exaustão: não há cessar-fogo que resista à falta de progresso político que é a única solução para a Síria.

Gustavo Gomes Nº216302


Fontes:

http://www.euronews.com/2016/04/28/aleppo-six-days-of-air-strikes-kill-an-estimated-200-people/

http://en.abna24.com/service/middle-east-west-asia/archive/2016/04/28/750484/story.html

http://www.middleeasteye.net/news/iraq-asked-syrias-assad-not-aid-jihadists-former-official-1553468312

https://twitter.com/arabthomness/status/716728618676781057



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